O escritor e pintor Sergio Kokis, nascido no Rio de Janeiro, em 1944, naturalizado canadense desde 1975, é um dos principais representantes da escrita migrante produzida pelos estrangeiros instalados no Québec que revelam na sua escrita a imbricação e as trocas culturais, a partilha de valores, de conhecimento e de idiomas. O presente trabalho pretende mostrar, através da análise de personagens da obra literária de Kokis, como o deslocamento para outro país, isto é, a experiência do exílio, atua na transformação da identidade dessas personagens migrantes, que enfrentam o estranhamento e a solidão, motivando o mergulho introspectivo. Em 1994, Kokis publica seu primeiro livro – Le Pavillon des Miroirs (A Casa dos Espelhos, 2000), único romance traduzido para o português até o momento. O romance A Casa dos Espelhos é composto por vinte e sete capítulos que oscilam entre duas temporalidades: nos capítulos ímpares (exceto o capítulo vinte e seis), o tempo da infância e da adolescência do protagonista, tempo da retrospecção; e, nos capítulos pares, o tempo do presente, do protagonista adulto no exílio. O narrador, em primeira pessoa, cujo nome não sabemos, recupera experiências vividas através de episódios trazidos pela memória, oscilando entre o presente, exilado em um País frio, e o passado da infância, vivido na cidade do Rio de Janeiro. Para além da situação do exilado e do imigrante, Kokis apresenta aquilo que Julia Kristeva também analisa em seu estudo intitulado Estrangeiros para nós mesmos, penetrando no íntimo do artista que recusa o enraizamento – o “ser de nenhuma parte”. Sendo assim, o protagonista não se sente pertencente àquela nação (e a nenhuma outra), não está de acordo com a atitude alheia, se revoltando com a comodidade, a inanidade e a fraqueza das pessoas face à miséria, à política autoritária, à falta de liberdade, ao caos em que vivem. Nos relatos da fase adulta, no país de exílio, feitos nos capítulos pares, o narrador confessa que não pertence a lugar algum. Sente-se estrangeiro no país de exílio, assim como também se sentia distante no país de origem. Interessa-nos, pois, a questão da escrita migrante recorrente na literatura contemporânea de Kokis, em que o foco está na fragmentação do sujeito, na viagem, na errância, no exílio, movimentos ligados diretamente à problemática da identidade e da alteridade. Além do romance já citado, trabalharemos também com os personagens dos livros Clandestino (2010) e La Gare (2005).