GUILHERME DE FIGUEIREDO PREGER, GUSTAVO BERNARDO KRAUSE
Este trabalho propõe uma aproximação entre as “Duas Culturas”, da ciência e da literatura, através de uma leitura de Criação imperfeita. Cosmo, vida e o código oculto da natureza, do físico Marcelo Gleiser, para investigar a presença do discurso narrativo como componente do discurso científico. A querela das Duas Culturas, proposta pelo químico e romancista C.P. Snow em 1959, indica o distanciamento de entendimento entre os discursos das ciências exatas e das humanas. Para questionar essa ideia é proposta a tese de que a elaboração de narrativas é uma etapa importante, porém nem sempre explícita, para a construção de paradigmas científicos, sobretudo quando a ciência se defronta com questões “indecidíveis”, isto é, questões que não podem ser decididas por construções lógicas de um Sistema Axiomático Formal, nem podem ser verificadas experimentalmente. Tais questões são frequentes sobretudo no âmbito da Cosmologia e nas discussões sobre a origem do tempo e a formação do universo. Será debatida a ideia de que a indecidibilidade é a marca do real no interior do discurso científico e produz um impasse teórico por não poder ser simbolizado nem logica nem matematicamente. Este impasse muitas vezes obriga a ciência, mesmo nas mais avançadas pesquisas contemporâneas, a recorrer a premissas metafísicas e “onto-teológicas” como solução. Por outro lado, este real indecidível impulsona a produção ficcional na explicitação e justificação dos paradigmas da ciência e é também um recurso na resolução do impasse teórico. Porém, o recurso ficcional não se explicita, permanecendo oculto ou não refletido e permitindo a formação de dogmas. Através da distinção entre hipótese, dogma e ficção, proposta por Hans Vaihinger, e sua “lei do deslocamento de ideias”, a ficcionalidade intrínseca dos postulados científicos será então alvo de análise na indistinção de fronteiras entre hipótese e dogma. A narrativa, com o uso da ficção, articula a relação entre o discurso científico “strictu senso”, que é sintagmático, com o eixo paradigmático das perspectivas imagéticas para assim produzir uma “visão de mundo”, sem o qual a ciência é incapaz de comunicar suas pesquisas e descobertas. Será visto como a obra de Gleiser, como exemplo da literatura de divulgação científica, é levada a “narrativizar” o debate científico, explicitando os pontos de vista narrativos (focalizações). Esta obra apresenta assim um cruzamento entre três narrativas: a da “ciência monoteísta”, a contranarrativa apresentada pelo autor que produz a controvérsia científica e a metanarrativa autobiográfica que “justifica” a decisão entre essas narrativas e “decide o indecidível”. A narrativa de Gleiser permite assim explicitar aquilo que é omitido no discurso científico ao não ser capaz de articular sua própria atividade narrativa.
Palavras-chave: NARRATIVA, FICÇÃO, LITERATURA DA CIÊNCIA, INDECIDIBILIDADE