O tema do experimentalismo narrativo no romance moderno como precursor do hipertexto eletrônico foi por mim abordado em projeto de pesquisa junto à Universidade Federal de Pernambuco de 2004 a 2008, desdobrando-se em vários trabalhos de Iniciação Científica e de Mestrado. O site Osman Lins: das páginas do livro à tela do computador foi elaborado em conclusão à pesquisa, tendo sido veiculado por quase uma década, embora atualmente já não esteja disponível em rede. A possibilidade de constatar nos textos do escritor pernambucano – assim como em outros romances luminares dos anos 1960-1980 – elementos claros da estrutura hipertextual, levou-nos a estudar aspectos de renovação de categorias tradicionais da ficção, como espaço, tempo e personagem; e a indagar sobre a natureza da reformulação das noções de autoria e leitura, que seriam flagrantemente modificadas com o advento e a popularização da internet e do computador pessoal nos anos 1990. Este estudo nos levou a deduzir que as obras consideradas “herméticas” em meados do século XX, na verdade antecipavam uma concepção de mundo que só viria a ser realmente apreendida com a inserção do sujeito na realidade digital. A época em que Osman Lins escreveu, contudo, foi profícua em discussões sobre a “morte do romance”. Sentia-se, no ar, uma espécie de esgotamento, de decadência da forma, ao mesmo tempo em que se assistia a um autodevoramento do gênero, em textos que refletiam a si mesmos até a exaustão. Em diversas entrevistas concedidas nos anos 1970, o autor respondia tranquilamente à insistente pergunta – “por que escreve ficção?”: “Não lançaria a minha existência na criação de algo que eu acreditasse estar morrendo”. Pois o que ele pressentia estar desaparecendo, ou, pelo menos, mudando radicalmente, eram as atitudes de recepção do texto literário, e não a ficção em si. Concomitantemente, estudiosos de sua obra perceberam o intenso “barroquismo” que envolvia a construção de seus textos, numa perspectiva próxima aquela com que Walter Benjamin vai buscar, na origem do drama barroco alemão, elementos para discutir a natureza alegórica da arte moderna. A alegoria foi, portanto, um conceito-chave nas reflexões tanto do filósofo quanto do escritor. Por isso, não é de se estranhar que Osman Lins tenha se referido a Avalovara como uma “alegoria da arte do romance”, por não se tratar de um romance no sentido convencional, mas de um deliberado simulacro de romance: uma série de sequências narrativas que podem ser lidas em ordens diversas, compondo histórias diferentes. A unidade, sempre provisória, do enredo seria assegurada mediante o uso de recursos técnicos diversos, dentre os quais se destaca o emprego da chamada mise-en-abyme. Voltar a analisar, hoje, o conto intitulado Um ponto no círculo, do livro Nove, novena – por mim abordado como exemplo de construção abissal em dissertação de mestrado defendida em fins dos anos 1980 – revela a crescente, e surpreendente, atualidade da produção osmaniana, à medida em que adentramos na realidade virtual. A nossa proposta, portanto, é revisar a nossa leitura deste conto à luz de conceitos contemporâneos de criação eletrônica, sobretudo o conceito do “holodeck”.
Palavras-chave: OSMAN LINS, LITERATURA ELETÔNICA, NARRATIVA ESPECULAR, HOLODECK