O processo de massificação e globalização permitiu o rompimento de fronteiras e a integração de diversos territórios e culturas. Os deslocamentos e os fluxos de todos os tipos vêm transformando as economias, as sociedades e as formas como as pessoas se organizam e vivem a cidade. Nos tempos atuais é preciso pensar os processos de desterritorialização e reterritorialização provocados no âmbito local fluxos pelos transnacionais, gerando um novo cenário especialmente nas periferias das grandes urbes. Historicamente um país de imigrantes, a Argentina não ficou alheia aos fluxos populacionais e nas ultimas duas décadas recebeu uma grande massa de imigrantes dos países vizinhos. Esse processo gerou identidades complexas, que entram em conflito com um relato nacional hegemônico fundamental para imaginar a nação. Com uma figuração do urbano que se apresenta como um híbrido de ficção e jornalismo, testemunho e etnografia, Cristian Alarcón, em Si me querés quereme transa, traz à cena literária a questão do incremento da imigração limítrofe na cidade de Buenos Aires e do acelerado processo de villerización/favelização na virada do século XX para o XXI. O lócus da narrativa é a Villa del Señor, uma favela na qual convivem sujeitos oriundos de distintos países e marcados por uma multiplicidade de deslocamentos. Num território ficcional bastante poroso, onde diversas etnias e grupos culturais convivem, os conflitos associados aos movimentos desses novos imigrantes da cidade de Buenos Aires e as relações estabelecidas entre esses sujeitos e o território aparecem marcadas por dois temas: o tráfico de drogas e a religiosidade. Contudo, mais que reduplicar os lugares comuns de um discurso midiático que passa a relacionar os “bolitas”, “perucas” e “paraguas” (meros supérfluos transformados em coisas) com o problema da segurança, Alarcón constrói uma narrativa na qual sobressaem momentos da vida cotidiana: os problemas, dramas e negociações desses migrantes que deixam seus países para ir viver em uma villa miseria portenha. Fazendo o caminho inverso e voltando ao espaço de origem desses personagens que em grande medida correspondem a figuras com as quais o autor conviveu, o narrador lança luz sobre as práticas culturais de diversos grupos migratórios, que habitam a favela narrada (uma favela que é também uma mescla ficcional de todas as favelas reais da cidade), possibilitando-nos analisar as estratégias desses atores como forma de afirmação e consolidação de suas culturas e como forma de utilização e apropriação do território que habitam. As trajetórias dos sujeitos representados na obra levantam a questão da formação de novas comunidades nas quais se observa um entendimento compartilhado por seus membros diferente daquele que marca a convivência no restante da cidade formal. A formação da identidade comunitária está fortemente relacionada ao que Arjun Appadurai chamou de “mundos imaginados”, nos quais adquire um papel fundamental e um poder singular na vida social dos indivíduos a circulação de relatos, de canções, mitos e programas televisivos gravados na grade de canais de outros países. O trabalho da imaginação e das representações coletivas nestas periferias transcende a as fronteiras do território e observa-se que nas últimas décadas com o impacto das novas tecnologias, a imaginação passou a ser um fator social e comunitário. Tendo como base a pluralidade dos mundos imaginados, as comunidades demonstram assim a capacidade de armar o relato de suas vidas recorrendo a diversos acervos, fazendo com que estes dêem sentido a uma trama de trajetórias cotidianas. Tais práticas e expressões são bases de um complexo diálogo entre imaginação e ritual que são utilizados dentro dos trabalhos coletivos dos grupos sociais como forma de disseminação e reorganização dos relatos nessas novas comunidades. Para a análise dessas questões recorremos às noções de “comunidade” e “supérflueos”, propostas por Zygmunt Bauman, e de “comunidade imaginada” (Benedict Anderson) e de “imaginação” como “fato social coletivo” (Arjun Appadurai). Para problematizar o papel do território nesse contexto faremos uso dos estudos de Rogério Haesbaert. E para pensar as questões e conflitos que envolvem a “imigración cercana” recorreremos a Alejandro Grimson e Elisabeth Jellín.
Palavras-chave: COMUNIDADE, TERRITÓRIO, IMIGRAÇÃO, VILLA MISÉRIA