GLAUCIA MARIA DE CARVALHO COTA, LUANA FLÁVIA COTTA DRUMOND
Publicada em 1973, a primeira edição de Dom Quixote – Cervantes Portinari Drummond abriu uma perspectiva interartística da prosa de Miguel de Cervantes, da ilustração de Cândido Portinari e da poesia de Carlos Drummond de Andrade. Dom Quixote de la Mancha, um dos livros fundadores do romance moderno, enreda a atenção de Portinari, que, em 1956, cria 21 desenhos em lápis de cor sobre a obra; Drummond, então, à luz das ilustrações e – inescapavelmente – do texto de Cervantes, compõe 21 glosas poéticas ao conjunto, atravessando com o seu olhar essa história tricentenária. Cervantes, romancista do século XVI, Portinari e Drummond, artistas do século XX, dialogam a partir da narrativa de Dom Quixote e traçam sobre ela uma linha que presentifica o tempo, atualizando, em suporte e em linguagem, o romance secular. A Cervantes é atribuída a sondagem do ser e dos diferentes aspectos da existência, postos, na época, à parte pela ciência e pela filosofia; a Portinari e a Drummond, que ressignificam a história quixotesca nas suas releituras, pode-se também imputar semelhante reflexão, balizada na própria ideia do existir na modernidade. Com um olhar para três manifestações artísticas singulares, estudamos os registros que fazem o poeta e o pintor brasileiros sobre o icônico romance espanhol e o modo como duas linguagens textuais e uma imagética podem integrar-se, fazendo nascer uma quarta composição coesa, apesar da produção múltipla e afastada no tempo e no espaço. À luz dos estudos semióticos de Charles Peirce, da Estética Comparada de Étienne Souriau e dos estudos das interartes de Claus Clüver, analisamse as interações e as interferências entre as artes de Cervantes, Portinari e Drummond. Ademais, investigam-se as operações intertextuais e os deslocamentos formais, que colocam em evidência a relação do artista com a tradição e o jogo entre diferentes gêneros e suportes.