CATARINA LINS ANTUNES DE OLIVEIRA, PAULO HENRIQUES BRITTO
Em uma das primeiras gravações em que um poeta grava sua voz ouvimos Robert Browning declamar os primeiros versos de um poema seu. A gravação foi realizada em 1889 por um vendedor de cilindro fonográfico (o mais antigo meio de armazenamento de áudio) que levara a então nova invenção para um jantar e sugerira que Browning gravasse sua voz. Embora relutante no início, o poeta eventualmente aceita. No meio da declamação, porém, esquece seus próprios versos. O que ouvimos então é: “I’m terribly sorry but I can’t remember my own verses! But one thing that I shall remember for all my life is this astonishing moment by your wonderful invention!”. Esse episódio marcante é o ponto de partida para falar da introdução dessa “maravilhosa invenção” numa cultura que até então não tinha meios de captura tão direta do real: a voz gravada, assim como a fotografia em seus primórdios, provocava a ideia de uma captura do real que alcança contornos quase sobrenaturais. Ou, ainda, como escreve José Miguel Wisnik em um artigo recentemente publicado na Revista Piauí (Revista Piauí nº 109, outubro de 2015, p. 61) "Diferente dos textos e das fotografias, a voz vem de dentro da pessoa, secreta sinais físicos, não verbais, de uma aura, uma dicção [...] Por um instante, a voz revela mais do que uma obra completa. Ela deixa transparecer bruscamente certas verdades difusas, lamacentas, que estão estampadas e ao mesmo tempo ocultas nos textos." Com o passar dos anos e a popularização de tecnologias de armazenamento e reprodução de áudio, a prática do registro da voz se desenvolveu até o ponto de termos, hoje, uma poeta como a portuguesa Matilde Campilho, para quem a leitura gravada parece ser um ponto central de sua produção mais do que mero registro ou arquivo. No caso de Matilde é especialmente surpreendente notar como tais leituras tornaram-se populares na internet muito antes que seu livro existisse. - Marjorie Perloff escreve, na introdução de "The poetry of sound / The sound of poetry" (2009), que embora o som seja uma dimensão central na poesia não há, nos estudos atuais sobre poesia, nenhum aspecto que seja tão negligenciado quanto esse. Perloff nota que o discurso sobre a poesia costuma basear-se sobretudo no que determinado poema “diz”, de modo que a estrutura sonora acaba encarada quase como periférica. Esta comunicação se dedica, então, a investigar a dimensão sonora da obra de autoras que considero casos expressivos na poesia contemporânea que, ao se dedicarem constantemente às leituras gravadas, invertem a ordem comum que tende a colocar a versão escrita do poema como anterior ou superior a sua leitura/sonoridade. Os casos expressivos a que me refiro são a já citada Matilde Campilho e a poeta americana Mary Ruefle, cujo livro intitulado 28 Short Lectures pressupõe a leitura em voz alta desde o momento de sua concepção/escritura.
Palavras-chave: POESIA, LEITURA DE POESIA, GRAVAÇÃO DE VOZ