LITERATURA: MODOS DE HABITAR O MUNDO

PALESTRANTES: Micheliny Verunschk; Julián Fuks; Carola Saavedra; Rejane Pivetta (UFRGS) Mediadora
DATA: 8 de outubro, das 10h às 12h.

CULTURAS INDÍGENAS E POÉTICAS DA ALTERIDADE

PALESTRANTES: Rita Olivieri-Godet (UNIVERSITÉ RENNES 2); Maria Esther Maciel (UFMG/UNICAMP/CNPQ); Edson Kayapó (IFBA/UFSB)
DATA: 7 de outubro, das 14h às 16h.

Edson Kayapó – Literatura indígena: vozes da ancestralidade

Resumo: A literatura de autoria indígena carrega consigo traços das ancestralidades desses povos. São vozes protagonistas das memórias históricas e cosmologias silenciadas pela sociedade brasileira, especialmente pelas instituições educacionais.

Minibiografia: Edson Kayapó é ativista dos movimentos ambientalista e indígena no Brasil. Docente na licenciatura intercultural indígena do Instituto Federal da Bahia (IFBA) e do programa de Pós-Graduação em Ensino e Relações Étnico-Raciais na Universidade Federal do Sul da Bahia (PPGER/UFSB). Graduado em História pela Universidade Federal de Minas Gerais. Doutor em História da Educação pelo EHPS/PUC-SP e mestre em História Social pela PUC-SP. Fez História na UFMG e Pós-graduação em História e Historiografia da Amazônia na Universidade Federal do Amapá, onde foi professor de História da Amazônia. É membro da Comissão Assessora para a Inclusão Acadêmica e Participação dos Povos Indígenas da UNICAMP e do Parlamento Indígena do Brasil, pesquisador da temática indígena e amazônica. Escritor premiado pela UNESCO e pela Fundação Nacional do Livro Infanto-Juvenil.

Rita Olivieri-Godet - Tópicos centrais da literatura ameríndia contemporânea

Resumo: Minha participação na mesa-redonda terá como objetivo destacar os principais eixos temáticos da produção literária ameríndia no Brasil, interrogando sua especificidade e contribuição no âmbito da produção da literatura brasileira: o que a literatura indígena contemporânea, escrita em português, traz de novo para o campo da literatura brasileira? Restrinjo-me a interrogar a produção escrita que resulta do processo de descentramento do texto literário nacional, coabitando com outras produções porta-vozes de grupos étnicos (literatura afro-descendente), periféricos (literatura marginal) ou de gênero. Diante do oceano de narrativas indígenas orais, complexas e plurais às quais pesquisadores, como Devair Fiorotti, Maria Inês de Almeida, entre outros, se dedicaram a recuperar e divulgar, pode parecer limitado o enfoque na escrita. No entanto, a diversidade de expressões literárias, a primazia da oralidade, as interseções entre oralidade e escrita, entre voz coletiva e individual, são questões que levo em consideração no meu trabalho. Não se ignora portanto o fato de que a literatura ameríndia de expressão escrita está intimamente ligada à tradição oral. Sendo assim, as relações entre oralidade e literatura escrita devem ser pensadas mais como um tecido contínuo do que como ruptura ou substituição de uma pela outra. Desse modo, sem circunscrever a literatura ameríndia à produção escrita, reconhece-se que esta exerce, indubitavelmente, uma função específica no âmbito do discursos sociais das sociedades nacionais, no caso, a brasileira, contribuindo para dar maior visibilidade às culturas dos povos indígenas que há milênios vêm produzindo literatura.

Em meio à multiplicidade de expressões literárias que abalam as estruturas de fundação simbólica da nação brasileira, pretendo ressaltar a contribuição singular da literatura indígena nesse movimento. Inserindo-se em um processo contemporâneo de transculturalidade, a literatura ameríndia revela-se como um lugar utópico de sobrevivência e de resistência, mas também de mediação, que propicia formas originais de expressão artística, mas que, no entanto, não renuncia a uma reapropriação memorial do território geocultural dos ancestrais.

Minibiografia: Rita Olivieri-Godet é Doutora em Teoria literária e literatura comparada pela USP, com pós-doutorado em literatura comparada na Université Paris 10 e professora titular de literatura brasileira da Université Rennes 2-França, promovida a membro senior do Institut Universitaire de France na seleção dos laureados de 2013. Membro da equipe ERIMIT-Equipe de Recherches Interlangues "Mémoires, Territoires et Identités", dirigiu durante vários anos o Departamento de Português da Université Rennes 2 tendo também assumido a co-direção do Mestrado Les Amériques e a direção-adjunta da Ecole Doctorale (2004-2006). Membro do GT "Relações literárias interamericanas" da ANPOLL, pesquisadora associada do PRINT-UFF-Letras, professora convidada da Université de Bordeaux, da UEFS-Bahia e da Université du Québec à Montréal (GIRA-UQAM). Seus trabalhos mais recentes estão voltados para questões identitárias na literatura contemporânea brasileira e para as relações literárias e culturais interamericanas a partir do estudo das representações dos ameríndios e de seus territórios na produção contemporânea do Brasil, Quebec e Argentina. Possui vários artigos e livros publicados na Europa, no Brasil e no Canadá dentre os quais se destacam:

- Vozes de mulheres ameríndias nas literaturas brasileira e quebequense (Edições Makunaima, Rio de Janeiro, 2020, http://www.edicoesmakunaima.com.br/catalogo );

- Ecrire l'espace des Amériques: représentations littéraires et voix de femmes amérindiennes (Peter Lang, NY, 2019);

- A alteridade ameríndia na ficção contemporânea das Américas (Fino Traço, BH, 2013);

- Viva o povo brasileiro: a ficção de uma nação plural (É Realizações, SP, 2014);

- Cartographies littéraires du Brésil actuel : espaces, acteurs et mouvements sociaux. (org., Peter Lang, Bruxelas, 2016);

- Géopoétique des confins (co-org. R. Bouvet, PUR, Rennes, 2018);

- Espaces et littératures des Amériques : mutation, complémentarité, partage (co-org. Zilá Bernd e Patrick Imbert, PUL, Québec, 2018).

Maria Esther Maciel - Alteridades não-humanas na literatura contemporânea

Resumo: Em que medida as alteridades não humanas se inscrevem na literatura brasileira contemporânea? Como alguns escritores brasileiros têm lidado com as relações paradoxais entre humanidade e animalidade, bem como com os problemas (etno)ecológicos do nosso tempo? Pretende-se, a partir dessas questões, investigar a presença dos seres não humanos em obras de autores como Astrid Cabral, Olga Savary, Sérgio Medeiros e Josely Vianna Baptista, com incursões pontuais às zoopoéticas de Carlos Drummond de Andrade e Wilson Bueno. À luz de um referencial teórico transdisciplinar, que inclui pensadores como Ailton Krenak, Eduardo Viveiros de Castro Dominique Lestel e Donna Haraway, será abordado também o hibridismo cultural e textual que atravessa os trabalhos de alguns dos autores incluídos no repertório literário, de forma a mostrar como eles apresentam um caráter fronteiriço, com um forte viés transnacional, por estarem atravessados por elementos zoológicos e mitológicos, lendas indígenas, referências literárias diversas e diferentes espaços linguístico-geográficos.

Minibiografia: Escritora, pesquisadora do CNPq e professora titular de Literatura Comparada da UFMG, atua como professora colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Teoria e História Literária da UNICAMP desde 2019. Possui doutorado em Literatura Comparada pela UFMG e pós-doutorado em cinema pela Universidade de Londres. Suas publicações incluem, entre vários outros livros, A memória das coisas – ensaios de literatura, cinema e artes plásticas (2004), O livro dos nomes (2009), Animais escritos – um olhar sobre a zooliteratura contemporânea (2008), Literatura e animalidade (2016) e Pequena enciclopédia de seres comuns (2021). É idealizadora e diretora editorial da revista Olympio – literatura e arte.

TRANSIDENTIDADES NA LITERATURA

PALESTRANTES: Dennys Silva-Reis (UFAC); Amara Moira (UNICAMP); Feibriss Henrique Meneghelli Cassilhas (UFBA)
DATA: 7 de outubro, das 10h às 12h.

Dennys Silva-Reis - Sand, Balzac e Gautier sob o signo do Travestismo: trans-identidades na literatura francesa do século XIX

Resumo: As trans-identidades estão presentes na literatura francesa desde há muito tempo. Entretanto, a crítica literária heteronomativa brasileira tem escamoteado tais identidades, especialmente, entre autores canônicos. A fim de evidenciar tal argumento, o presente trabalho visa trazer à tona três obras de autores franceses clássicos – Gabriel de Georges Sand, Séraphîta de Honoré de Balzac e Mademoiselle de Maupin de Théophile Gautier – e analisá-los sob o signo do Travestismo. Interessa saber como a questão das trans-identidades é abordada nas narrativas francesas do século XIX, bem como se dá o travestismo narrativo a partir da construção de personagens, do clímax do enredo e da retórica textual. Estima-se que a ausência de fortuna crítica e a não-tradução destas obras no Brasil estejam relacionadas a uma crítica literária dos estudos franceses ainda binarista e ao desconhecimento da vertente literária francófona trans-identitária.

Minibiografia: professor de Literatura de Expressão Francesa na Universidade Federal do Acre (UFAC- campus Rio Branco/AC) e do Mestrado Acadêmico em Estudos Literários (MEL/UNIR/RO). Doutor em Literatura (POSLIT/UnB) e mestre em Estudos da Tradução (POSTRAD/UnB) – ambas investigações sobre o escritor francês Victor Hugo. Co-organizador das obras Literatura e Outras Artes na América Latina (2019, em colaboração com Sidney Barbosa) e A tradução de quadrinhos no Brasil: princípios, práticas e perspectivas (2020, em colaboração com Kátia Hanna). Prepara para o corrente ano a obra Estudos da Tradução & Questões LGBTQI+ (em co-organização com Vinícius Martins Flores). Dentre as publicações de livre acesso, organizou recentemente os números Tradução & Feminismos Negros (2019, revista Ártemis, em colaboração com Cibele de Guadalupe Sousa de Araújo e Luciana de Mesquita Silva) e Mujeres y traducción en América Latina y el Caribe (2020, revista Mutatis Mutandis, em colaboração com Luciana Carvalho Fonseca e Liliam Ramos da Silva). Em 2020, a convite da Casa Guilherme de Almeida – Centro de Estudos de Tradução Literária, ministrou o curso A tradução queer: teoria, história e práxis.

Amara Moira - Diadorim homem até o fim: leituras transviadas do Grande Sertão

Resumo: A obra que, provavelmente, mais recebeu spoilers na história da nossa literatura, com os acontecimentos das suas dez ou quinze páginas finais, dentre as quase seiscentas (a depender da edição), sendo escancaradas em qualquer menção ao texto. Qual o intuito de tais spoilers? Que Grande Sertão: Veredas tem sido lido a partir deles? A proposta aqui será refletir sobre o papel da crítica na heterossexualização do romance de Rosa, o que tem impedido a obra de ser lida pelo que ela é: um marco da literatura LGBTQIA+ brasileira.

Minibiografia: Travesti, feminista, doutora em teoria e crítica literária pela Unicamp (com tese sobre as indeterminações de sentido no Ulysses, de James Joyce) e autora do livro autobiográfico E se eu fosse puta (hoo editora, 2016) e da obra Neca + 20 poemetos travessos (O Sexo da Palavra, 2021), que reúne a primeira versão do seu monólogo experimental em pajubá e sua produção poética sobre vivências travestis.

Feibriss Henrique Meneghelli Cassilhas - Mentes trans(vestigeneres) em convergência: a criação de destinos anticoloniais na literatura (traduzida) em performance trans negra

Resumo: O Manifesto Bixa Preta, poema de autoria de Luck Yemonja Banke (2018), surge de inquietações poéticas de bixas pretas do Sarau Vozes Negras, coletivo de práticas poético-pedagógicas interseccionais do qual sou uma das fundadoras. Frequentemente, nossas performances trazem em sua concepção projetos que buscam desmentir o destino da colonização para pessoas LGBTQIA+ negras, assim como anuncia Banke em seu poema supracitado. Ou seja, rejeitamos as narrativas coloniais racistas e transfóbicas sobre nós e contamos nossas próprias histórias em nossas criações literárias e interpretações de autores negres. Com raízes nas movimentações poéticas desta coletividade, neste trabalho, dedico-me à prática de tradução-performance de textos literários de autoria trans(vestigeneres) com o objetivo de propor esta prática como exercício de auto conhecimento e cura que se tornam possíveis na convergência de mentes. Foram escolhidos, para este momento, trechos de obras das contadoras de histórias Kiley May (2012, 2016) e Janet Mock (2014), cuja análise se dará pela realização de uma tradução-performance desses textos.

Minibiografia: Feibriss H. M. Cassilhas é professora Adjunta A pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) na área de Letras Inglês. É doutora e mestra em Estudos da Tradução pelo programa de Pós Graduação em Estudos da Tradução (PGET) na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Formou-se em Licenciatura em Língua Inglesa e Bacharelado em Tradução pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) em 2009. Performa como Tradutora de Histórias Contadas desde que desenvolveu o projeto de Tradução de Histórias Contra a Hipocrisia Colonial em sua tese de doutorado. É membra fundadora do Sarau Vozes Negras (@vozesnegras no Facebook e no Instagram), um coletivo negro de práticas poéticas-pedagógicas interseccionais. É integrante do grupo de pesquisa Traduzindo no Atlântico Negro (UFBA).

HUMANIDADES: TECNOLOGIAS E LINGUAGENS

PALESTRANTES: Leila Lehnen (Brown University); Alckmar Luiz dos Santos (UFSC); Alberto Pucheu (UFRJ)
DATA: 5 de outubro, das 14h às 16h.

Alckmar Luiz dos Santos - Uso de bancos de dados e bibliotecas digitais para a história literária

Resumo: Projeto nascido no NUPILL - Núcleo de Pesquisa em Informática, Literatura e Linguística e no LAPESD - Laboratório de Pesquisa em Sistemas Distribuídos, a Biblioteca Digital de Literaturas de Língua Portuguesa é o maior banco de dados de história literária de literaturas brasileira e portuguesa que existe, aberta a usuários de interesses bem variados, do leitor diletante ao pesquisador especialista. Além da consulta às obras digitalizadas, é possível acessar um catálogo com dados biobibliográficos dos autores brasileiros e de outros países lusófonos; também estão disponíveis documentos do acervo pessoal de alguns autores do Estado de Santa Catarina.Nosso propósito é apresentar e discutir um exemplo de utilização do banco de dados e da biblioteca digital para estudos de história literária, especificamente a produção poética brasileira entre 1870 e 1920.

Minibiografia: Alckmar Luiz dos Santos é natural de Silveiras, SP. Possui graduação em engenharia eletrônica, pela Universidade Estadual de Campinas (1983), mestrado em Teoria e História Literária pela Universidade Estadual de Campinas (1989) e doutorado em Estudos Literários pela Université Paris VII (1993). Desde 1994, é professor de Literatura Brasileira da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e, a partir de 1995, coordenador do Núcleo de Pesquisas em Informática, Literatura e Lingüística (NUPILL, núcleo de pesquisa de excelência do CNPq, financiado pelo edital PRONEX entre 2008 e 2016). Foi pesquisador convidado na Université Paris 3 - Sorbonne Nouvelle (2000-2001) e na Universidad Complutense de Madrid (2009-2010). Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Literatura Brasileira e Teoria Literária, atuando principalmente com teoria do texto, literatura e filosofia, hipertexto e texto digital, poesia. É também poeta, romancista e ensaísta. Autor dos livros "Leitura de nós" e "Dos desconcertos da vida filosoficamente considerada" (ensaio e poema digital respectivamente; Prêmio Transmídia - Instituto Itaú Cultural), "Rios Imprestáveis"; (poemas; Prêmio Redescoberta da Literatura Brasileira da Revista Cult); "Ao que minha vida veio..." (romance; Prêmio de romance Salim Miguel), "Dos desconcertos da vida filosoficamente considerada" (poemas; menção honrosa no Prêmio de Poesia Cruz e Souza), além de outros. Foi homenageado como pesquisador-destaque da UFSC em 2011. É atualmente professor-titular do Departamento de Línguas e Literaturas Vernáculas da Universidade Federal de Santa Catarina.

Alberto Pucheu - Uma filologia pedagógica de combate à violência

Resumo: A relação entre poesia e técnica coloca-se praticamente desde o começo do pensamento ocidental, lida, de modo geral, como uma relação de oposição. No Íon, de Platão, a ironia socrática recai exatamente na suposta capacidade técnica (e epistêmica) da rapsódia defendida pela personagem homônima do diálogo. Em uma abordagem mais sofisticada do respectivo texto, é percebido, entretanto, que Sócrates não quer defender que, em oposição à técnica, a poesia seja entusiasmo, mas que, mesmo que com técnica, a poesia, ao menos para ser boa, requer entusiasmo. Nesse sentido, havendo uma complementariedade entre técnica e entusiasmo, não haveria, obviamente, nenhuma oposição entre poesia e técnica. No Teeteto, há um termo habitualmente traduzido por "não-iniciados" ou por "sem cultura", mas, ao pé da letra, mostrando a relação implícita entre poesia e filosofia, ἄμουσοι (amousoi) os sem musas, os amusicais, os não-poéticos, são, para o filósofo, aqueles que acreditam poder agarrar tudo solidamente com as mãos, os que Teeteto, confirmando Sócrates, diz serem também σκληρούς (skleroús), os duros, os endurecidos, os cabeças-duras, os, poderíamos de alguma maneira hoje dizer, esclerosados. Como a privação da Musa em alguém é correlata ao ódio que essa pessoa tem da linguagem, esse que é sem musa passa a ser, na República, literalmente vinculado ao misólogo, ou seja, ser amusical e não-poético é odiar o lógos. Enquanto as pessoas musicais e poéticas se entregam a uma filologia que se confunde com um ser tomado pela Musa – ou ser possuído pela instância eclosiva da linguagem –, aquele que não se relaciona com a Musa, misólogo e amusical, não apreciando nenhum pensamento nem a linguagem em sua potencialidade, não participando de nenhuma busca, de nenhum caminho, de nenhuma conversação, de nenhum exercício musical ou poético, não tendo, assim, suas sensações depuradas, "não mais se serve do discurso [lógos] para persuadir; em tudo, chega a seus fins pela violência e selvageria, como um animal feroz, e vive no seio da ignorância e da grosseria, sem harmonia e sem graça". Sendo a coexistência da poesia e da filosofia (que, em Platão, também tem sua Musa e é a "mais alta música") a que possibilita uma educação de combate à violência daqueles que são misólogos, ela se estabelece enquanto uma filologia pedagógica política. A partir disso, tal filologia será pensada como um desguarnecimento das fronteiras entre as diversas disciplinas críticas e a poesia ou as artes, ou seja, como estando na fundamentação do que passou a ser chamado de Humanidades. Esse amor à linguagem parece ser o que se apropria de técnicas para realizar uma determinação pedagógica, ética e política que, indo além das técnicas, é mais necessária do que nunca em nossos dias no país em que vivemos.

Minibiografia: Professor de Teoria Literária da UFRJ, Alberto Pucheu publica livros de poemas e ensaios. Dentre os primeiros, A fronteira desguarnecida; poesia reunida 1993-2007, mais cotidiano que o cotidiano, Para quê poetas em tempos de terrorismos? e vidas rasteiras. Como ensaísta, publicou, entre outros, Pelo colorido, para além do cinzento; a literatura e seus entornos interventivos, Giorgio Agamben: poesia, filosofia, crítica, apoesia contemporânea, Que porra é essa - poesia? e Espantografias: entre poesia, filosofia e política.

Leila Lehnen - Afrofuturismo: descolonizando narrativas e plataformas (Digitais)

Resumo: Esta comunicação examina o ímpeto descolonial da presença digital de Fábio Kabral e sua interface com os romances do escritor; A Cientista Guerreira do Facão Furioso (2019) e O caçador cibernético da Rua 13. Kabral propõe quatro princípios centrais para as narrativas afrofuturistas: protagonistas negros, ficções especulativas negras, afro-centrismo e autoria negra (https: //fabiokabral.wordpress. com 26/08/2019). Tanto seus textos digitais (ficcionais e não ficcionais), que aparecem neste World Press Blogs, quanto suas narrativas impressas, seguem esses preceitos. A combinação do afro-centrismo e dos elementos especulativos que recorrem à mitologia iorubá introduzem o/a leitor/a do texto de Kabral a um imaginário descolonial já que os textos deste "desvincula(m) o conhecimento de uma matriz colonial de poder" (Mignolo 2011: xxvii). Esta comunicação examinará como os textos de Kabral propõem uma estética descolonial por meio de escritos ficcionais e não ficcionais em seu blog e sua produção impressa. Os textos decoloniais de Kabral interrogam o legado da escravidão no Brasil e sugerem empoderamento por meio de uma abordagem imaginativa a diferentes epistemes.

Minibiografia: Leila Lehnen é professora de literatura e cultura brasileira no departamento de Estudos Portugueses e Brasileiros, na Brown University (EUA). Sua pesquisa foca em questões de cidadania, direitos humanos e justiça social e ecocrítica na literatura brasileira e latino americana contemporânea. Seu livro, Citizenship and Crisis in Contemporary Brazilian Literature (Cidadania e crise na literatura brasileira contemporânea) examina a representação e a crítica do que James Holston definiu como a "cidadania diferenciada" na literatura brasileira contemporânea.

TERRITÓRIOS PERIFÉRICOS E RESISTÊNCIAS CRÍTICAS

PALESTRANTES: Rachel Esteves Lima (UFBA); Amilton José Freire de Queiroz (UFAC); Jurema Oliveira (UFES)
DATA: 6 de outubro, das 14h às 16h.

Rachel Esteves Lima - Mutirões literários e políticas culturais das margens

Resumo: Mais de 25 anos já se passaram desde a publicação póstuma de A universidade em ruínas, do professor de Literatura Comparada da Universidade de Montreal, Bill Readings. Nesse livro, o autor chamava a atenção para a falência da universidade moderna (um dos sustentáculos da ideia de Nação), que vinha sendo superada pela universidade de excelência, em tempos de integração global. Essa transformação se fazia muito visível também no Brasil, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, e, mesmo sob os governos petistas, ainda que o processo de privatização das instituições públicas de ensino superior tenha sido barrado, o projeto da universidade de excelência não foi deixado inteiramente de lado. E talvez não seja exagero concluir que algumas de suas iniciativas contribuíram ainda mais para a erosão do conceito de "cultura nacional", um dos pilares sobre os quais se sustentam o modelo universitário humboldtiano. Pode-se até mesmo dizer que as políticas de inclusão implementadas na universidade nos últimos anos contribuíram para evidenciar ainda mais o caráter elitista da noção homogênea de cultura anteriormente cristalizada e para, ao mesmo tempo, jogar por terra qualquer nostalgia de retorno à universidade tal como planejada a partir dos anos 1930. Não adepto de nenhuma postura saudosista, Readings nos convidava a habitar as ruínas da universidade, de forma responsável e aberta para a emergência de algo novo, que ainda não se podia vislumbrar. Considerando que vários intelectuais têm atendido a esse apelo, o trabalho a ser apresentado resulta de um esforço em traçar uma breve cartografia de algumas iniciativas que vêm sendo desenvolvidas na universidade pública, no campo da literatura, com vistas à construção de um rede solidária capaz de promover, de fato, uma intervenção na realidade na qual ela se insere. Tomaremos, como ponto de partida para discutirmos a interlocução entre a academia e os grupos "minoritários", o trabalho realizado por alguns pesquisadores que atuam no ensino superior da Bahia, cientes, todavia, de que qualquer mapeamento sempre se mostrará lacunar e que o que se propõe aqui é apenas uma pequena reflexão, interessada, sobretudo, em não abrir mão da tarefa de pensar nossa atuação em tempos de crise como a que estamos vivendo.

Minibiografia: Professora Titular de Literatura Brasileira na Universidade Federal da Bahia, com Pós-Doutorado na Universidade Paris XIII (2011) e na Universidade de Bolonha (2019), Doutorado em Estudos Literários/Literatura Comparada pela UFMG (1997), e Mestrado em Letras/Literatura Brasileira pela mesma universidade. Atua na linha de pesquisa Documentos da memória cultural, do Programa de Pós-Graduação em Literatura e Cultura da UFBA, desenvolvendo pesquisas sobre as teorias críticas da Literatura Comparada, a crítica literária brasileira e latino-americana, os gêneros pertencentes ao espaço biográfico e a literatura brasileira contemporânea. Organizadora dos livros A Antropofagia na era da globalização (2016) e O espaço biográfico: perspectivas interdisciplinares (2016), ambos publicados pela EDUFBA, em formato e-book. Atualmente coordena o Núcleo de Estudos da Crítica e da Cultura Contemporânea e participa também do grupo de pesquisa ATLAS – Análises Transdisciplinares em Literatura, Arte e Sociedade. É pesquisadora do CNPq e atualmente desenvolve o projeto "Cultura e Política no Brasil ultracontemporâneo: um panorama da literatura e do cinema documentário em regime de urgência no Brasil pós-2013".

Amilton José Freire De Queiroz - Entre casas, canoas e bibliotecas periféricas: travessias por fronteiras em fricção

Resumo: A proposta desta exposição é pensar um comparatismo de fricção como estratégia de intervenção para mapear os diálogos, as tensões e as resistências das culturas periféricas na literatura contemporânea. Em proposições articuladas com as perspectivas de Benjamim Abdala Junior (2012), Zilá Bernd (2014), Eduardo Coutinho (2004), Eneida Souza (2006), José Luis Jobim (2012), Tania Carvalhal (2003), Vera Casa Nova (2008) e Elena Brugioni (2019), serão examinados os contos A casa ilhada (2006), Milton Hatoum, A casa marinha (2014), Mia Couto, A casa secreta (2005), Eduardo Agualusa e Biblioteca (2018), Walter Hugo Mãe. A hipótese a ser explorada consiste em que tais textos elaboram mapas do diálogo contrapontual entre imaginários, vidas e experiências em trânsito, abrindo espaço para discutir os ganhos epistêmicos sobre os comparatismos de fricção e seus desafios hoje. Para Ricardo Piglia, abordar literatura, cultura periférica e deslocamentos é observar "um pequeníssimo movimento para conseguir que alguém por ele possa dizer o ele quer dizer" (PIGLIA, 2001, p.2). Tal deslocamento estratégico para falar a partir da fronteira pode ser importante para suspender o automatismo, fabular possibilidades de vida e promover uma abertura para os comparatismos de/em fricção, como resistência ao esquecimento. Propomos, portanto, fazer uma breve leitura comparada entre a figuração de casas, canoas e bibliotecas como lugares a partir dos quais se realizam as travessias por fronteiras na literatura contemporânea.

Minibiografia: Graduado em Letras-Português pela Universidade Federal do Acre (2006). Mestre em Letras pela Universidade Federal do Acre (2009). Doutor em Letras/Literatura Comparada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2015). Pós-doutorado em Teoria Literária e Literatura Comparada pela Universidade Federal de Minas Gerais (2020). Professor adjunto da Universidade Federal do Acre, Colégio de Aplicação. Professor do quadro permanente do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Humanidades e Linguagens (PPEHL). Líder e pesquisador do Grupo Amazônico de Estudos da Linguagem (GAEL) e Grupo de Estudos de Educação, Cultura, Arte e Linguagem (GECAL). Membro do Conselho Editorial da Editora Stricto Senso. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Literatura Comparada, Teoria da Literatura, Estudos Pós-coloniais, Geografia do gênero, Ensino de Literatura, Formação de professores e Linguística Aplicada. Desenvolve atividades de ensino, pesquisa e extensão no âmbito dos Estudos Comparados das literaturas africana, latino-americana e brasileira: epistemologia, teoria, crítica e metodologia, com vistas a examinar os processos, agentes e mobilidades literárias e culturas na contemporaneidade, na interface entre Ensino Superior e Educação Básica no estado do Acre.

Jurema Oliveira - A ancestralidade e as narratologias modernas e contemporâneas

Resumo: O trabalho é resultado de pesquisa acerca da ancestralidade iniciada em 2015, subsidiada pela Fundação de Apoio à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo – Fapes. No decorrer das análises das obras, detecta-se que ler as configurações da ancestralidade nas narrativas exige acessar outras áreas do conhecimento (Antropologia, História, Ciências Sociais, Filosofia), tendo em vista que o arcabouço teórico disponível na Teoria Literária não dá conta da dimensão da pesquisa. Ao longo dos estudos, identifica-se nas obras uma repetição constante de um símbolo filosófico-religioso de sustentação do enredo, o ancestre, que perpassa o corpus escolhido por meio da liguagem de base oral, artifício linguístico para respaldar valores, princípios não materializados no discurso escrito ou por meio da configuração de personagem com caracteristicas humanas ou não. A identificação desse elemento na base narratológica se mostra de diversas formas. A mais recorrente é aquela representada pelo personagem com características humanas. De acordo com Cândido e Outros em Personagem de ficção (1976), o enredo precisa do personagem para existir e à medida que esse adentra o espaço literário vive a vida que não teme a morte, já que na qualidade de ancestre transita entre dois planos o visível e invisível. Os espaços de fixação desse personagem são diversos. Ele se manisfesta em rios, montanhas, plantações e nas casas representação/ambientação das narrativas. O passado volta como quadro de costumes em que se valorizam os detalhes, as originalidades, a exceção à regra, as curiosidades que já não se encontram no presente. A obra de arte produz do ponto de vista transformacional a reflexão tão necessária à vida diária. Dentre os recursos necessários a identificação dessa marca ancestral, valoriza-se as narrativas cujos referenciais discursivos estão pautados na oralidade, pois a discursividade oriunda dessa forma de expresssão carrega a carga ancestral promovedora do diálogo pertinente ao mundo dos vivos e dos ancestrais. De acordo com Altuna, a palavra ocupa o primeiro lugar nas manifestações religiosas, artísticas e na vida social em geral, pois é praticamente a única forma de conservar e divulgar o patrimônio material e imaterial às gerações futuras. Um patrimônio excluído dos catálogos históricos que só respeita as fontes escritas como a única forma válida de conhecimento. No entanto, na atualidade contextos sociais como o Brasil viu nascer um movimento de valorização de experiências oriundas da ancestralidade e da afro-brasilidade decorrente do processo colonial. As obras literárias brasileiras de diversas épocas pontuam esses fenômenos como forma de resistência aos conhecimentos euro- centrados que se fazem presentes em todos os âmbitos da sociedade. O processo valorativo desses aspectos contribui para uma tomada de consciência do papel da literatura na formação do sujeito. Inicialmente, o ancestre tinha como espaço promissor no Brasil as casas de Candomblé e Umbanda, mas posteriormente adentra o cenário político-ideológico do processo de resistência do povo negro. Em se tratando de Brasil, os escritores escolhidos direta ou indiretamente compõem a série de autores cuja perspectiva literária plasticamente repousa sobre a figuração daqueles seres com uma imagem pautada no ancestre de matriz africana. O trabalho é resultado de pesquisa acerca da ancestralidade iniciada em 2015, subsidiada pela Fundação de Apoio à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo – Fapes. No decorrer das análises das obras, detecta-se que ler as configurações da ancestralidade nas narrativas exige acessar outras áreas do conhecimento (Antropologia, História, Ciências Sociais, Filosofia), tendo em vista que o arcabouço teórico disponível na Teoria Literária não dá conta da dimensão da pesquisa. Ao longo dos estudos, identifica-se nas obras uma repetição constante de um símbolo filosófico-religioso de sustentação do enredo, o ancestre, que perpassa o corpus escolhido por meio da linguagem de base oral, artifício linguístico para respaldar valores, princípios não materializados no discurso escrito ou por meio da configuração de personagem com características humanas ou não. A identificação desse elemento na base narratológica se mostra de diversas formas. A mais recorrente é aquela representada pelo personagem com características humanas. De acordo com Cândido e Outros em Personagem de ficção (1976), o enredo precisa do personagem para existir e à medida que esse adentra o espaço literário vive a vida que não teme a morte, já que na qualidade de ancestre transita entre dois planos o visível e invisível. Os espaços de fixação desse personagem são diversos. Ele se manifesta em rios, montanhas, plantações e nas casas representação/ambientação das narrativas. O passado volta como quadro de costumes em que se valorizam os detalhes, as originalidades, a exceção à regra, as curiosidades que já não se encontram no presente. A obra de arte produz do ponto de vista transformacional a reflexão tão necessária à vida diária. Dentre os recursos necessários a identificação dessa marca ancestral, valoriza-se as narrativas cujos referenciais discursivos estão pautados na oralidade, pois a discursividade oriunda dessa forma de expressão carrega a carga ancestral promovedora do diálogo pertinente ao mundo dos vivos e dos ancestrais. De acordo com Altuna, a palavra ocupa o primeiro lugar nas manifestações religiosas, artísticas e na vida social em geral, pois é praticamente a única forma de conservar e divulgar o patrimônio material e imaterial às gerações futuras. Um patrimônio excluído dos catálogos históricos que só respeita as fontes escritas como a única forma válida de conhecimento. No entanto, na atualidade contextos sociais como o Brasil viu nascer um movimento de valorização de experiências oriundas da ancestralidade e da afro-brasilidade decorrente do processo colonial. As obras literárias brasileiras de diversas épocas pontuam esses fenômenos como forma de resistência aos conhecimentos euro- centrados que se fazem presentes em todos os âmbitos da sociedade. O processo valorativo desses aspectos contribui para uma tomada de consciência do papel da literatura na formação do sujeito. Inicialmente, o ancestre tinha como espaço promissor no Brasil as casas de Candomblé e Umbanda, mas posteriormente adentra o cenário político-ideológico do processo de resistência do povo negro. Em se tratando de Brasil, os escritores escolhidos direta ou indiretamente compõem a série de autores cuja perspectiva literária plasticamente repousa sobre a figuração daqueles seres com uma imagem pautada no ancestre de matriz africana.

Minibiografia: Jurema Oliveira possui Graduação em Licenciatura Plena pela Faculdade de Educação da universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ (1992), Bacharel em Letras - Português/Literaturas pela Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJ (1990); Bacharel em Letras Português - Árabe pela Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro (1994); Mestrado em Literatura Portuguesa pela Universidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJ (1998); Doutorado em Letras pela Universidade Federal Fluminense-Uff (2005). Professora da Universidade Federal do espírito Santo-Ufes; Pesquisadora da Fundação de Amparo à Pesquisa do espírito Santo-Fapes. Autora dos Projetos: A angolanidade e a moçambicanidade em questão (2011/2 a 2014) do Edital Programa Primeiros Projetos/PPP; As marcas da ancestralidade e suas configurações em narrativas de autores africanos de língua portuguesa e brasileiros no edital Universal de (2015-2018); Ancestralidade, Pan-africanismo, Afro-brasilidade no edital Universal de 2018 em curso até 2021; Projeto aprovado no Edital NeabsDepirmdh-Governo Federal 02/2019. Bolsista Capixaba pela Fundação de Apoio à Pesquisa e Inovação do espírito Santo-Fapes. Autora dos seguintes livros: Violência e violação: uma leitura triangular do autoritarismo em três narrativas contemporâneas luso-afro-brasileiras (Luanda: UEA, 2007); O espaço do oprimido nas literaturas de língua portuguesa do século XX: Graciliano Ramos, Alves Redol e Castro Soromenho (Luanda: UEA, 2008); No limite entre a memória e a história: a poesia (Luanda: UEA, 2009). Literatura moderna e contemporânea (Curitiba: IESDE, 2010); No limite entre a memória e a história: a poesia (Vitória: Edufes, 2011); Africanidades e Brasilidades: Culturas e Territorialidades. (Org.) (Rio de Janeiro: Dialogarts, 2015); Africanidades e Brasilidades: Ensino, Pesquisa e Crítica (Org.) (Vitória: Edufes, 2015) e 2 ed. Edufes em 2020; Realismo-maravilhoso e animismo entre griots e djidius: narrativas e canções nos países de língua oficial portuguesa (Org.) (Rio de Janeiro: Dialogarts, 2015); The theme of urban violence in three lusophone novelists: António Lobo Antunes, Paulo Lins, Boaventura Cardoso (2017); Africanidades e brasilidades: Literaturas e Linguística (Org.) (Curitiba: Appris, 2018); Africanidades e brasilidades: Direitos Humanos e Políticas Públicas (2020). Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Literatura Brasileira, Portuguesa Contemporânea, Africanas de Língua Portuguesa, autora de artigos publicados em revistas científicas, atuando principalmente nos seguintes temas: história, memória, crítica literária, tradição oral e ancestralidade. Pós- Doutorado pelo Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem (PNPD/Capes/UFRN). Avaliador Ad hoc da Fapes, Avaliador Ad hoc da Capes, Avaliador Ad hoc da Revista ABPN. Coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas Africanidades e Brasilidades-Nafricab/Ufes; Coordenadora de Simpósio sobre a temática Estudos Africanos de Língua Portuguesa e Ancestralidade em narrativas africanas e da afro-brasilidade nos eventos da Abralic. Menção Honrosa no Prêmio Internacional Investigativo Agostinho Neto em Luanda-Angola (África) com o trabalho intitulado Agostinho Neto: o discurso engajado em 2018.

LITERATURA E ENSINO

PALESTRANTES: Ana Crelia Dias (UFRJ); Benedito Antunes (UNESP); Fabiane Verardi (UPF)
DATA: 6 de outubro, das 10h às 12h.

Ana Crelia Dias - Leituras de quem para quem? A complexidade nos endereçamentos e as implicações na formação de leitores

Resumo: Quais são os limites entre os textos infantis/ juvenis/ e os destinados a adultos? Em que ponto um texto deixa de ser do interesse de um nicho de um público e se dirige a outro? Seria possível pensar a formação de leitores a partir da concepção de uma literatura sem adjetivação indicativa de direcionamento de público leitor? A indicação de destinatário na literatura está longe de se configurar como território pacífico do ponto de vista de quem escreve, do mercado que edita e promove a circulação das obras e ainda no olhar de quem seleciona as leituras. Este texto tem por objetivo trazer algumas reflexões acerca do endereçamento prévio das obras, em cujas bases se constroem os estatutos (ainda que precários) das literaturas infantil e juvenil, e as possíveis transgressões a esses processos de destinação dos textos a públicos específicos. Para tanto, serão analisadas obras cujas zonas de endereçamento são fronteiriças, a fim de pensar os possíveis impactos dessas leituras em ambientes formais de escolarização.

Minibiografia: Ana Crelia Dias possui mestrado e doutorado em Literatura Brasileira, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, instituição em que atua desde 2005 como docente. Realizou estágio pós-doutoral na Universidade de São Paulo, entre 2017 e 2018, debruçando-se sobre a pesquisa Mulheres na formação de leitores: retratos conhecidos, ainda em andamento. É líder do grupo de pesquisa Literatura e educação literária, registrado no CNPq. Coordena o GT Literatura e Ensino, da ANPOLL.

Benedito Antunes – Ensino de literatura: a disciplina da liberdade

Resumo: O título desta intervenção é tomado de Fernando Savater (1947), filósofo espanhol que escreveu o livro O valor do educar (1991), no qual faz instigantes reflexões sobre a educação. Dentre elas, destaco uma que servirá de mote para o que vou apresentar: "Se a educação implica certa tirania, é uma tirania da qual só passando pela educação poderemos, em alguma medida, nos livrar mais tarde". Se a educação em geral proporciona a crianças e jovens a compreensão necessária para enfrentar as limitações e mesmo as injustiças impostas pela sociedade, a educação literária tem um mérito adicional por eleger como objeto de estudo uma produção artística, que não se reduz a um conteúdo programático, passível de ser objetivamente definido, sistematizado, transmitido e avaliado após o processo de assimilação como conhecimento adquirido. A arte literária, evidentemente, pode submeter-se a esse processo, e é por isso que consta dos currículos escolares, mas configura uma espécie de aporia ao combinar conhecimento com imaginação. Com efeito, a presença da literatura na sala de aula instaura certa tensão entre disciplina escolar e liberdade. Talvez por isso ela nem sempre encontre o lugar adequado na escola, levando muitos professores e teóricos a defenderem a leitura livre da obra literária, em que se oferecem obras para serem lidas, mas sem cobrança ou comentários da experiência estética. Trata-se de um equívoco que, em última instância, nega a própria necessidade de se ensinar literatura por meio de uma disciplina escolar. É preciso, assim, recuperar o próprio sentido do ensino de literatura e reconhecer que ele se insere no quadro da educação em geral. E educar é uma tarefa que exige definição de objetivos, de métodos e de resultados a serem alcançados. Como qualquer outra, a literatura é uma disciplina que exige esforço, trabalho, desenvolvimento de atividades às vezes penosas. Mas é justamente esse esforço que poderá libertar o aluno. São as implicações desse entendimento que pretendo abordar.

Minibiografia: Doutor em Letras pela Faculdade de Ciências e Letras – Unesp, Câmpus de Assis, mestre em Teoria Literária pela Unicamp, graduado em Letras pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Assis, docente de Literatura Brasileira da Faculdade de Ciências e Letras – Unesp, Câmpus de Assis. Foi Diretor-Presidente da Vunesp – Fundação para o Vestibular da Unesp –, é bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq, nível 2, e integra o grupo de trabalho Literatura e Ensino da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Letras e Linguística (Anpoll). Suas pesquisas concentram-se na literatura brasileira do século XX e no ensino de literatura, estudando o Modernismo, o Pré-Modernismo, o romance moderno e a formação do leitor literário. Publicou Juó Bananére: As cartas d'abax'o Pigues, pela Editora Unesp, em 1998, A literatura juvenil na escola, pela Editora Unesp Digital, em 2019, e A olho nu, pela Editora Appris, em 2020, e organizou, com Sandra Ferreira, 50 anos depois: estudos literários no Brasil contemporâneo, Editora Unesp, 2014.

Fabiane Verardi - A literatura no chão da escola: itinerários de pesquisas sobre a formação de professores leitores

Resumo: O trabalho objetiva apresentar, a partir do resultado de pesquisas do Grupo de Pesquisa, "Literatura e Ensino", coordenado por mim, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade de Passo Fundo. Me debruço sobre as pesquisas que abordam, apresentam e refletem sobre as práticas de leitura e o perfil do professor de língua portuguesa e literatu ra da região norte do Rio Grande do Sul. Assim, busco identificar concepções, trajetórias e modos de leitura destes docentes, examinando as relações entre tais práticas e as vivências de situações de leitura.

Minibiografia: Graduada em Letras pela Universidade de Passo Fundo, Mestre em Letras (Teoria Literária) pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Doutora em Letras (Teoria Literária) pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e Pós-Doutorado pela Universidade de Coimbra. Atualmente é professora Titular III da Universidade de Passo Fundo, no curso de Letras, no Programa de Pós-Graduação em Letras e Coordenadora das Jornadas Literárias de Passo Fundo. Desenvolve projetos na linha de pesquisa de Leitura e Formação de Leitor, focalizando seus trabalhos na questão da leitura na escola, metodologias de ensino da literatura infantil e juvenil. É, também, líder do Grupo de Pesquisa CNPq: Sobre Ensino de Literatura.

TRADUÇÃO E POESIA

PALESTRANTES: Johnny Lorenz (Montclair University); Francesca Cricelli (USP); Jeffrey Angles (Western Michigan University)
DATA: 5 de outubro, das 10h às 12h.

Johnny Lorenz - Mario Quintana em inglês: tradução além das palavras na página

Resumo: A poesia não se trata apenas das palavras no papel; muitas vezes ela explora o aspecto musical de uma língua - o eco das rimas entre as palavras e a dança métrica, a estrutura rítmica das linhas. Além disso, a poesia está sempre atenta aos silêncios sob e por entre as palavras. Porém, como o tradutor de um poema - sobretudo de um poema verso - se envolve com o que a página não deixa visível? Durante esta apresentação, considerarei alguns poemas em versos de Mario Quintana, além de minhas próprias traduções desses poemas, presentes em meu livro de poemas e traduções originais, Education by Windows. Pensaremos juntos sobre as maneiras pelas quais a música - ou a prosódia - acrescenta uma dimensão emocionante e dinâmica ao trabalho de reinvenção do tradutor. A tradução de um poema em versos é, de certa forma, um convite em aberto a outros tradutores. Vamos analisar dois dos poemas mais famosos de Mario Quintana: o curto epigrama "intraduzível", "Poeminho do Contra", e a ode do poeta a Porto Alegre, "O Mapa" - dois poemas que se deliciam em música.

Minibiografia: Johnny Lorenz é poeta, tradutor de literatura brasileira, crítico literário e professor universitário de inglês e suas literaturas. Sua tradução de "Um sopro de vida" (A Breath of Life), de Clarice Lispector, foi finalista do prêmio Best Translated Book Award, e sua tradução de "A cidade sitiada" (The Besieged City), também de Lispector, foi listada como um dos melhores livros de 2019 pela revista Vanity Fair. Entre seus méritos estão um sibsídio do PEN/Heim Translation Fund Grant, um programa de bolsa de estudos Fulbright e, mais recentemente, um incentivo do fundo NEA (National Endowment for the Arts), que subsidiou a tradução de "Torto Arado" (Crooked Plow), de Itamar Vieira Júnior. Seu livro de poemas, Education by Windows, foi publicado pela Poets & Traitors Press. Seus ensaios acadêmicos já foram contemplados nos periódicos Luso-Brazilian Review e Modern Fiction Studies.

Francesca Cricelli - Das múltiplas tessituras da língua: poesia e autotradução em Zingonia Zingone, Prisca Agustoni e Francesca Cricelli

Resumo: A autotradução, ou re-criação poética, pode ser analisada no senso estrito da escrita e em outro, mais amplo, e até metafórico (Grutman, 2014). Os estudos sobre migrações identificam essa prática como uma forma que os autores encontram para manifestar seus diferentes eus, os quais sofrem alterações a partir das mudanças de países, assim como pelo processo de integração numa nova língua e cultura (Besemeres, 2002). Ainda que as autoras que criam e recriam suas obras são as mesmas pessoas, não são vozes idênticas que simplesmente se manifestam em uma ou outra língua.

Partindo de uma perspectiva de contaminações de categorias, sendo a autora poeta-plurilingue e tradutora, o trabalho de escrita e autotradução das poetas Zingonia Zingone (Itália/Costa Rica) e Prisca Agustoni (Suíça/Brasil) será visitado e comentado, assim como será tratada, brevemente, a própria produção poética de Cricelli. Nesse exercício, abre-se espaço para um diálogo expandido em que a autotradução é vista como um processo plural que se manifesta além do trabalho individual (D'Angelo, 2011). A liberdade da autotradução se acomoda na possibilidade de recortar para si mesma um nicho no qual o autor é a autoridade e, ao mesmo tempo, o agente que se autoriza a traduzir (Grutman, 2014). Essa dinâmica já aprofundada e estudada em autores como Beckett, Ungaretti e Henriques-Britto etc. será observada na produção de duas poetas que desenvolvem sua obra entre-mundo e entre o português, o espanhol e o italiano.

Minibiografia: Francesca Cricelli é poeta, tradutora e pesquisadora. É doutora em Letras Estrangeiras e Tradução pela Universidade de São Paulo, tendo descoberto, em sua pesquisa, um acervo inédito de cartas de Giuseppe Ungaretti para Bruna Bianco. Publicou os livros de poemas Repátria no Brasil e na Itália (Selo Demônio Negro, 2015 e Carta Canta, 2017) e 16 poemas + 1 nos EUA (edição de autora, 2017), na Islândia (Sagarana forlag, 2017) e na China (Museu Minsheng, 2018), além da plaquette As curvas negras da terra/Las curvas negras de la tierra (edição bilíngue, Nosotros Editorial, 2019). Suas crônicas de viagem e uma breve prosa de autoficção foram reunidas no livro Errância (Edições Macondo e Sagarana forlag, 2019). Sua poesia já foi publicada em revistas como Época (Brasil), Nuovi Argomenti (Itália) e Tímarit Máls og menningar (Islândia) e sua prosa nas revistas Ventana Latina (Reino Unido) e Amarello (Brasil) e na Folha de São Paulo. Traduziu para editoras brasileiras escritoras italianas como Elena Ferrante (Biblioteca Azul, 2016), Igiaba Scego (Nós, 2018), Claudia Durastanti (Todavia, 2021) e Fernando Pessoa para o italiano (Interno Poesia, 2021). Vive atualmente em Reykjavík, a capital mais ao norte do mundo, na Islândia, onde estuda língua e literatura islandesas.

Jeffrey Angles - Poesia, Trauma e Tradução

Resumo: Graças ao trabalho de Sigmund Freud, psicólogos há muito tempo reconhecem que as pessoas que passam por trauma costumam apresentar certas características linguísticas incomuns quando falam sobre experiências traumáticas. Por exemplo, a fala de vítimas de trauma pode conter gagueira, repetições, autointerrupções, perda de linearidade, meandros, ou no caso de bilíngues, interferência de um idioma em outro. Psicólogos observaram que, quando a linguagem funciona desta forma imprevisível, ela pode revelar tanto sobre o estado psicológico da vítima quanto uma linguagem mais comum e direta.

Não é surpreendente que a literatura sobre experiências traumáticas utilize com frequência tais recursos linguísticos como técnica narrativa. É possível observar esse fenômeno, por exemplo, na obra de Hiromi Itō, uma importante poeta feminista que escreve com foco em vários aspectos da experiência das mulheres.

Itō nasceu no Japão e imigrou para a Califórnia nos anos 90 junto das duas filhas ainda pequenas, arrancadas de repente do próprio lar e arremessadas em um ambiente novo no qual não conseguiam se comunicar. Como resultado desse trauma, a segunda filha de Itō ficou sem falar por mais de um ano e, ao retomar o ato da fala, o discurso estava repleto de características linguísticas estranhas, o que surpreendeu Itō.

Em 2004 e 2005, Itō escreveu um longo poema narrativo, Wild Grass on the Riverbank (Kawara arekusa, em japonês), em que as experiências da filha da autora são recontadas em primeira pessoa. O livro, que dá guinadas repentinas para o surreal, é uma obra prima da literatura de migração, mas o que interessa a esta apresentação é o uso constante de recursos linguísticos por Itō através do poema, associados ao trauma, que demonstram o estado psicológico da jovem narradora imigrante.

Em 2015, publiquei a tradução desse poema, porém, durante o processo de tradução, passei muito tempo em cima de soluções para as caraterísticas pouco usuais da linguagem poética de Itō, sobretudo para as que refletiam o trauma psicológico da narradora.

O pesquisador da área de Estudos da Tradução Antoine Berman observou que tradutores naturalmente tendem a suavizar características linguísticas incomuns dos textos, apagando as características únicas da obra traduzida. Essas "deformações" não são intencionais, necessariamente, e com frequência acontecem sem que o tradutor perceba. Para ajudar tradutores a entenderem como uma tradução "deforma" o texto, Berman tenta catalogar os diferentes tipos de características que tendem a sofrer no processo de tradução. De frente à lista de Berman, percebe-se que muitas dessas características são similares àquelas que compõe a linguagem de vítimas de traumas.

Se as características linguísticas que aparecem na linguagem traumática são parecidas com as que apresentam dificuldades para tradutores, o que o tradutor deve fazer ao trabalhar em um texto sobre trauma? Esta apresentação discutirá os desafios específicos que o tradutor de poemas sobre trauma pode enfrentar, entre eles, desafios éticos e linguísticos. Para explorar essa questão complexa, tratarei da minha própria experiência e dos desafios ao traduzir Wild Grass on the Riverbank para o leitor em língua inglesa.

Biografia: Jeffrey Angles é poeta, tradutor e professor de literatura japonesa na Western Michigan University, nos Estados Unidos. A sua coletânea de contos próprios em língua japonesa recebeu o prêmio Yomiuri de literatura, uma honra singular concedida a poucos falantes não-nativos desde o surgimento do prêmio em 1949. Ele traduziu dezenas dos mais importantes autores e poetas japoneses da atualidade para o inglês. Ele mantém uma forte crença no papel do tradutor como ativista e focou em sua carreira na tradução de autores e autoras feministas, queer e engajados socialmente para o inglês. Entre suas inúmeras traduções premiadas e aclamadas pela crítica estão: Killing Kanoko: Selected Poems of Itō Hiromi (Action Books, 2009), Forest of Eyes: Selected Poems of Tada Chimako (University of California Press, 2010), Twelve Views from the Distance (University of Minnesota Press, 2012), de Takahashi Mutsuo, e Wild Grass on the Riverbank, de Itō Hiromi (Action Books, 2014). Sua tradução mais recente encontra-se na edição crítica e anotada do clássico modernista The Book of the Dead, de Orikuchi Shinobu (University Minnesota Press), de 2016. No momento ele está trabalhando em vários projetos de tradução, entre eles a primeira tradução ao inglês do romance Godzilla, de Kayama Shigeru, o mesmo autor de ficção científica que escreveu o roteiro para o famoso filme de 1954.

CAMINHOS DA LITERATURA COMPARADA: ESTADO DA ARTE

PALESTRANTES: Zulma Palermo (UNSa); Rita Terezinha Schmidt (UFRGS); Eduardo Coutinho (UFF – UFRJ)
DATA: 4 de outubro, das 14h às 16h.

RESUMOS: Como um modo de produção de conhecimento sobre o fenômeno literário e suas inter-relações o comparatismo foi marcado por uma ousadia intelectual que revolucionou a tradicional divisão disciplinar ao promover um movimento contínuo de ultrapassagem dos limites que sistematizaram o saber literário em termos de subáreas nos estudos de literatura. A expansão da Literatura Comparada ao longo do século XX representou uma inovação ímpar não só no sentido de colocar em destaque as relações entre textos de literaturas provenientes de diferentes geografias, mas também no sentido de promover novos estudos das literaturas nacionais ao levantar questões-chave concernentes às relações entre centros e margens, identidade cultural/regional, produção literária e cânones literários, bem como as implicações político-culturais de processos de transferências por vias de identificações, confluências e diferenças. Em seus movimentos de reinvenção epistemológica, a literatura comparada colaborou, de forma decisiva, na descompartimentalização do saber literário via a incorporação de aportes teóricos provenientes de áreas das Ciências Humanas e Sociais bem como das Artes resgatando, desse modo, os estudos de literatura de sua insularidade institucional. Poderia se afirmar que a marca registrada da práxis comparatista é a sua indisciplina, em termos de seu movimento em direção ao outro: o outro texto, a outra literatura, a outra história, a outra cultura, a outra linguagem, o outro imaginário. Para tanto, entram em cena conceitos tais como hibridismo, heterogeneidade, margem, diferença, liminaridade e fronteira na produção de um conhecimento que além da intertextualidade, incorpora a interdisciplinaridade e a interculturalidade. A proposta desta mesa-redonda é colocar em destaque alguns dos caminhos do comparatismo atual.

A Professora Zulma Palermo, em seu texto intitulado "Glocalizaciones y descentramentos fronterizos", enfatiza a heterogeneidade cultural das sociedades e as formas diferenciadas com que essas se colocam no espaço das práticas comparatistas na região latino-americana, evocando o legado da Pátria Grande de José Marti em seu Nuestra America (1852). Argumenta ela que nesse momento particular de imposições decorrentes da globalização econômica, surge com força a necessidade de redefinir territorialidades, pertencimentos e particularidades. Nesse contexto, a professora Palermo coloca em foco a problemática do conceito de fronteira no cenário de migrações diversas que impõem atenção ao surgimento de novas formas culturais e literárias que se situam num "entre-lugar" (cf. Homi Bhabha) por apresentarem racionalidades, códigos e retóricas próprias. Ao preconizar o abandono da nomenclatura 'subalterno' para definir a relação dessa produção com a cultura central e dominante, a pesquisadora pontua a necessidade de um comparatismo contrastivo (cf. Ana Pizarro), decentrado e pluritópico (cf. Henrique Dussel) que leve ao reconhecimento da pluralidade da produção de códigos e linguagens no espaço de uma determinada região/país. Tal movimento, segundo ela, implica uma ultrapassagem do projeto histórico de uma cultura nacional una e totalizante.

Com o título de "Tendências atuais do comparatismo" o Professor Eduardo Coutinho argumenta que a Literatura Comparada sempre caminhou lado a lado às principais tendências do pensamento de seu tempo, presentes nas correntes críticas e teóricas de abordagem do fenômeno estético-literário. Nessa direção, pontua os dois grandes momentos do comparatismo em termos da Escola Francesa no século XIX, e da Escola Norte-Americana na primeira metade do século XX. Considera o professor Coutinho que a partir da segunda metade do século passado a pluralização das tendências do pensamento crítico-teórico levou a literatura comparada a acompanhar essa transformação, fato que ampliou significativamente o seu campo de atuação. Ao apresentar um recorte de tendências do comparatismo contemporâneo, o pesquisador estabelece um diálogo do comparatismo com algumas correntes que tiveram um papel relevante em processos de transculturação tais como a Desconstrução, os Estudos Culturais e Pós-Coloniais, bem como as tendências que se abrigam sob a chamada "Literatura-Mundo". No seu entendimento, a despeito das diferenças, é possível identificar nessas correntes um traço que tem se tornado marcante na literatura comparada e que, segundo ele, ainda que com cuidado, seja possível definir o referido traço como a busca de um novo humanismo.

Em "Por um comparatismo decolonial" a professora Rita Terezinha Schmidt parte de algumas colocações da comparatista Mary Louise Pratt em sua obra Olhos imperiais: escrita de viagem e trasnculturação, de 1992 (traduzido para o português em 1999) como moldura de sua fala. Segundo Pratt, em tempos de diásporas e exílios transnacionais em escala planetária, produzidos por um sem-fim de conflitos étnico-raciais, pela intolerância religiosa e pelos novos fundamentalismos, o exercício da cidadania é continuamente violado e a democracia é tomada de assalto por velhas formas de autoritarismo. À luz da pertinência contemporânea das colocações de Pratt torna-se impossível não reconhecer que em geografias de forte passado colonial como a América Latina, a democracia não raro assume formas de autoritarismo as quais reinstituem legados coloniais/ocidentais em termos de hierarquias de raça, classe, gênero e sexualidades que perpetuam marginalizações e exclusões, inclusive no campo literário. Considerando a descolonização do pensamento como um processo de desocidentalização associado à expansão da literatura comparada na América Latina, na África e na Ásia nas últimas duas décadas, a professora coloca em pauta a teoria decolonial e sua voltagem teórico-crítica a partir do pensamento de uma de suas pioneiras, a filósofa argentina Maria Lugones.

BIOGRAFIAS:

Zulma Palermo: Professora Emérita da Universidade Nacional de Salta (Argentina), Doutora HC da Universidade Nacional de Formosa (Argentina), dirige sua pesquisa a partir da crítica à cultura latino-americana, investigando a formação de imaginários nas culturas locais. Desenvolve seminários e oferece conferências de sua especialidade em diferentes universidades do país e do exterior e foi premiada com diversos prêmios por seu trabalho acadêmico.

Seus livros Escritos al margen , La región, el país. Estudios sobre poesía salteña actual, De historia, leyendas y ficciones, Hacia una historia literaria en el Noroeste Argentino, enfocam a produção literária. Os artigos publicados em diferentes revistas e livros coletivos estão mais definitivamente orientados para o campo das construções teóricas: "De nacionalismos y regionalismos o los avatares de las políticas culturales metropolitanas", "Los 'Estudios Culturales' bajo la lupa: la producción académica en América Latina", "Semiótica del vacío y de la espera",El sentido de la diferencia: pensar desde los márgenes andinos”, “Estudios culturales y epistemologías fronterizas en debate”, “Texto cultural y construcción de la identidad. Contribuciones a la interpretación de la ‘imaginación histórica’, Salta, S. XIX”. Últimos livros: Desde la otra orilla. Pensamiento crítico y políticas culturales en América Latina  y Cuerpo(s) de Mujer. Representación simbólica y crítica cultural, Las culturas cuentas, los objetos dicen…; Como coordenadora e / ou compiladora:: Colonialidad del poder: discursos y representaciones, Arte y estética en la encrucijada descolonial, Para una pedagogía decolonial y Aníbal Quijano; textos de fundación.

Rita Terezinha Schmidt: PhD pela Universidade de Pittsburgh (EUA), professora titular aposentada da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil. Atua no Programa de Pós-Graduação de Letras desde 1985, sendo que desde 2016 é professora convidada do referido Programa. É bolsista de produtividade do CNPq, com projetos na área de literatura comparada e foco na ficção de autoria feminina nas literaturas brasileira e latino-americana. Organizou reedições de obras (romance e poesia) de escritoras brasileiras do século XIX bem como seis coletâneas de ensaios de Literatura Comparada. Foi Vice-Presidente da ABRALIC (Associação Brasileira de Literatura Comparada, 2002-2004) e é Membro do Comitê Executivo da ICLA ( Associação Internacional de Literatura Comparada, 2019-2022). Além de livro, artigos em periódicos e capítulos em obras publicadas no país, tem capítulos em coletâneas no exterior: Episodes from a History of Undoing: The Heritage of Female Subversiveness (2012); The Cambridge History of Latin American Women´s Literature (2016); Tropical Gothic in Literature and Culture: The Americas (2016); Brazilian Literature as World Literature (2018); e Comparative Perspectives on the Rise of the Brazilian Novel (2020). Desenvolve pesquisas sobre corpo, trauma, poder, violência, gênero e sexualidade a partir da interface literatura, filosofia e direito e na perspectiva de teorias feministas contemporâneas.

Eduardo de Faria Coutinho: Professor Titular Emérito de Literatura Comparada da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Pesquisador 1 A do CNPq. É Mestre em Literatura Comparada pela Univ. da Carolina do Norte, Chapel Hill (EUA), e Doutor (PhD) em Literatura Comparada pela Universidade da Califórnia, Berkeley, EUA (1983). Além de sua atividade docente na UFRJ, tem sido Professor Visitante em diferentes universidades no Brasil e no exterior (La Habana, Cuba; Córdoba, Argentina; Bochum, Alemanha; Illinois-Urbana/Champaign, EUA). Foi Vice-Presidente da Oficina Literária Afrânio Coutinho (OLAC) e da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Letras e Lingüística (ANPOLL), e membro do Conselho de Cultura do Estado do Rio de Janeiro. É membro fundador e Ex-Presidente da Associação Brasileira de Literatura Comparada (ABRALIC), Ex-Vice-Presidente da Associação Internacional de Literatura Comparada (AILC/ICLA), membro do PEN Clube Internacional e Consultor Científico de diversas agências de fomento à Educação (CAPES, CNPq, FAPERJ, FUJB). Tem 30 livros publicados como autor e/ou organizador, e numerosos ensaios e artigos em jornais e periódicos especializados no Brasil e no exterior.

LIVROS:

The Process of Revitalization of the Language & Narrative Structure in the Fiction of João Guimarães Rosa & Julio Cortázar. Valencia (Espanha): Estudios Hispanófilos, 1980.

Guimarães Rosa.  Coleção "Fortuna Crítica". Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983.  (Organizador) 2a ed.: 1991.

A unidade diversa: ensaios sobre a nova literatura hispano-americana.  Rio de Janeiro: Anima, 1985.  (Organizador)

José Lins do Rego. Coleção "Fortuna Crítica". Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991. (Org. em colaboração com Ângela Bezerra de Castro). 

The "Synthesis" Novel in Latin America: a Study on João Guimarães Rosa's Grande sertão: veredas. Chapel Hill, North Carolina Studies in Romance Languages & Literatures, 1991.

Em busca da terceira margem: ensaios sobre o Grande sertão: veredas. Salvador: Fundação Casa de Jorge Amado, 1993.  

Literatura Comparada: textos fundadores. Rio de Janeiro, Rocco, 1994. (Org. em colaboração com Tania Franco Carvalhal). 2ª ed.: 2011. 

Cânones e contextos: 5o. Congresso ABRALIC - Anais. 3 vols. Rio de Janeiro, ABRALIC, 1997-98. (Organizador)

Sentido e função da Literatura Comparada na América Latina. Rio de Janeiro: UFRJ, 2000.

Fronteiras imaginadas: cultura nacional/teoria internacional. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2001.  (Organizador). 

Literatura Comparada na América Latina: ensaios. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2003.  

Literatura Comparada en América Latina: ensayos. Cali, Colômbia: Universidad del Valle, 2003.  

Elogio da lucidez: a comparação literária em âmbito universal. Porto Alegre: Evangraf, 2004.

Empréstimo de ouro: cartas de Machado de Assis a Mário de Alencar. Rio de Janeiro: Ouro Sobre Azul, 2009. (Org. em colaboração com Teresa Cristina Meireles de Oliveira).

Discontinuities and Displacements: Studies in Comparative Literature. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2009 (Organizador).

Crossings and Contaminations: Studies in Comparative Literature. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2009 (Organizador). 

Identities in Process: Studies in Comparative Literature. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2009 (Organizador).  

Discursos de Afrânio Coutinho. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 2011 (Org. em colaboração com Vera Lúcia Teixeira Kauss). 

O bazar global e o clube dos cavalheiros ingleses. Textos seletos de Homi Bhabha. Rio de Janeiro: Rocco, 2011 (Organizador).

Afrânio Coutinho. Coleção “Essencial”. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 2011. 

Literatura Comparada: reflexões. São Paulo: Annablume, 2013.

Grande sertão: veredas. Travessias. São Paulo: É Realizações Editora, 2013. 

Afrânio Coutinho: textos reunidos. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 2013.

Rompendo barreiras: ensaios de literatura brasileira e hispano-americana. Rio de Janeiro: 7Letras, 2014. 

Angélica Soares: memória sem margens. Rio de Janeiro: 7Letras, 2015. (Org. em colaboração com Ângela M. Dias e Maximiliano Torres). 

Brazil. Santa Barbara, CA; Denver, CO: ABC-CLIO, 2016. (Org. Em col. com Luciano Tosta).

Raul Pompeia. Coleção “Fortuna Crítica”. Foz do Iguaçu: EDUNILA; Rio de Janeiro: CEAC/ UFRJ, 2016.

Literatura Comparada: reflexiones. Bucaramanga, Colômbia: Universidad Industrial de Santander, 2017. 

Brazilian Literature as World Literature. (Organizador). N. York: Bloomsbury, 2018. 

Comparative Literature as a Transcultural Discipline (Organizador). São Paulo: Annablume, 2018.