ORIENTAÇÃO: Carina Marques Duarte

RESUMO: Homem comprometido com o seu tempo, o escritor contemporâneo, Ungulani Ba Ka Khosa faz da literatura uma forma de elaborar as transformações sofridas por Moçambique e de refletir a identidade da nação. Integram a antologia Orgia dos Loucos as narrativas “Exorcismo” e “Morte inesperada”, objetos de análise deste trabalho. Durante as décadas de 1960 e 1970, com o movimento independentista, buscou-se construir a identidade a partir de uma utopia libertadora. Declarada a independência, a FRELIMO, partido que assumiu o governo, não poupou esforços para a construção da identidade da nação, que, livre da metrópole, deveria estar preparada para o progresso e rejeitar todos os sinais de obscurantismo. Uma das estratégias empregadas para forjar a identidade foi o alheamento às tradições locais, tema amplamente discutido por Ungulani Ba Ka Khosa em ensaios, entrevistas e problematizado nos textos ficcionais, nos quais é possível perceber a importância da tradição e a defesa da retradicionalização. O objetivo deste trabalho é analisar o papel da tradição nos contos acima mencionados. Em “Morte inesperada”, o protagonista, Simbine, que na adolescência se recusava a ir à escola, argumentando que os naturais da terra viveram séculos sem o livro e o quinino, na idade adulta, adere ao mundo da escrita. E é exatamente no momento em que se dirigia ao colégio que sofre um acidente no elevador e morre. Em “Exorcismo”, Pedro, filho do administrador do distrito, ao mergulhar no rio, é levado pelas águas. Depois de buscas infrutíferas, a única saída é recorrer ao curandeiro Simbaba. O problema é que, sendo um dirigente vinculado à FRELIMO, o administrador não poderia participar dos rituais sagrados da ancestralidade, que eram considerados pelo partido mostras de obscurantismo. A fim de demonstrar o papel da tradição nos contos, recorremos às formulações de Michel Pollak e a artigos e entrevistas de Ungulani Ba Ka Khosa.

PALAVRAS-CHAVE: Literatura Moçambicana; conto; identidade da nação; alheamento às tradições.

REFERÊNCIAS: BA KA KHOSA, Ungulani. Orgia dos loucos. São Paulo: Kapulana, 2016. __. Memórias perdidas, identidades sem cidadania. Revista Crítica de Ciências Sociais, Coimbra, v. 106, 2015. Disponível em: <http://rccs.revues.org/5911#text>. Acesso em: 21 ago. 2019. BOUENE, Belizardo. Moçambique: 30 anos depois da independência. Africana Studia, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, n.8, 2005. Disponível em <http://www.africanos.eu/ceaup/uploads/AS08_069.pdf >. Acesso em: 25 set. 2019. CORTÁZAR, Júlio. Alguns aspectos do conto. In: Valise de Cronópio. São Paulo: Perspectiva, 1974. p. 147-163. HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2006. NENAME, Armando. O passado não se impõe com medidas inquisitórias (Entrevista com Ungulani Ba Ka Khosa). Disponível em: <https://macua.blogs.com/moambique_para_todos/2010/02/o-passado-n%C3%A3o-se-imp%C3%B5e-com-medidas-inquisit%C3%B3rias.html>. Acesso em: 21 ago. 2019 POLLAK, Michael. Memória e identidade social. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 5, n. 10, p. 200-212, 1992. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/1941/1080>. Acesso em: 30 set. 2019. __. Memória, esquecimento, silêncio. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 2. n. 3, p. 3-15, 1989. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/2278/1417>. Acesso em: 30 set. 2019. SAID, Edward W. Falar a verdade ao poder. In: SAID, Edward W. Representações do Intelectual: as Conferências Reith de 1993. São Paulo: Cia. das Letras, 2005. p. 89-104. __. Cultura e imperialismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.