A obra literária do escritor inglês Charles Lutwidge Dodgson, popularmente conhecido pelo seu pseudônimo Lewis Carroll, ganhou o mundo através dos anos. As aventuras de suas Alices extrapolaram os limites imagináveis de leituras, releituras e interpretações para além da palavra escrita, característica que aponta para a atemporalidade e impossibilidade de esgotamento dos seus efeitos de sentido e de suas experiências de leituras. Mas sua obra criativa foi além da literatura, antes de se arriscar como escritor literário, Charles foi fotógrafo. Vivenciou a fotografia em seus primórdios e deixou vários registros em seus diários sobre a importância que ela tinha para ele. Além do amadorismo, Charles fez experimentos de manipulação e narrativa fotográfica em um contexto no qual a foto possuía um estatuto de “eternizar” retratos mais fiéis que a pintura. Esta reflexão introdutória e breve tem por base um estudo já realizado em torno da presença de uma tradição do modo fantástico literário que percorre, dentre outras categorias, o maravilhoso, o nonsense, o surrealismo, o estranho, o real maravilhoso, entre outras e uma análise sobre o reflexo do discurso insólito na manifestação da identidade/alteridade da protagonista. Ambas as análises, uma monografia e outra dissertação, respectivamente, contemplaram tanto “Alice in Wonderland” (1865) quanto “Alice through the looking-glass” (1871). No decorrer destas pesquisas ficou claro: 1) as considerações que envolvem a presença do fantástico na obra literária de Lewis Carroll a partir de teorias, inevitavelmente, sistematizadoras/categorizadoras resultam em um cobertor curto que, “cobrindo a cabeça, descobre os pés e, cobrindo os pés, descobre a cabeça”; 2) nenhuma das categorias exploradas servem à compreensão dos efeitos de sentido nas obras. Diante disso, surgiu a hipótese de que há uma potência criativa visível permeada pelo insólito e que está presente em sua obra artística como um todo, literária e fotográfica. Então é possível afirmar dentro desta hipótese que há uma outra: a possibilidade de uma “autotextualidade” (Dällenbach, 1979) insólita que se revela no diálogo entre a sua obra fotográfica e literária. Os efeitos de sentido insólitos de sua literatura parecem estar presentes em sua fotografia e vice-versa, isto também implica afirmar que, para uma maior aproximação da compreensão de sua obra artística como um todo e, logo, de seu gesto criativo e seus efeitos, é necessário perceber a intertextualidade imanente presente no diálogo intersemiótico entre literatura e fotografia criadas pelo mesmo autor. O diálogo entre a obra fotográfica e a literária de Lewis Carroll parece exigir uma reflexão perplexa e desafiadora: transgredir a categorização sem ficar “em cima do muro”, mas manter o demônio da perplexidade como única moral, conforme nos desafiou Antonie Compagnon (2010, p.256). Desta maneira, interessa explorar este jogo de reflexo, “mise en abyme” entre as manifestações artísticas de Carroll.
Palavras-chave: INTERSEMIÓTICA, INSÓLITO, LITERATURA E FOTOGRAFIA