NOTA DE PESAR - DEVAIR FIOROTTI

A ABRALIC expressa profunda tristeza pelo falecimento, no dia 19 de março de 2020, de Devair Fiorotti, pesquisador e poeta capixaba residente em Roraima. A ABRALIC convidou o professor Pedro Mandagará, da UnB, para deixar seu testemunho sobre o colega e amigo:

“Filho de pais agricultores, Devair Fiorotti cursou da graduação ao doutorado na Universidade de Brasília, de onde saiu para assumir como um dos primeiros professores da Universidade Estadual de Roraima. Em Roraima encontrou nas poéticas orais ameríndias um campo de estudos que direcionaria sua carreira. Tornou-se um amigo em diversas comunidades macuxi, wapixana e taurepang, que visitava para entrevistar velhos e velhas que pudessem contar as histórias e cantar os cantos antigos. O projeto Panton Pia’, que englobava sua incursão na oralidade indígena e na memória dos garimpeiros da região, rendeu como frutos inúmeros artigos e capítulos, além de cinco livros. Destacam-se, em especial, os trabalhos nos quais o autor traduz poeticamente os cantos do povo macuxi, como o livro em parceria com seu Terêncio, sábio cantador macuxi, “Panton pia’: eremunkon do circum-Roraima” (Funai/Museu do Índio, 2018). Seu trabalho com os indígenas e as populações minoritárias de Roraima englobavam não só a produção científica como a formação, desde o projeto de letramento Guariba, que desenvolvia na cidade de Pacaraima, onde residiu por muitos anos, até a orientação de pós-graduandos. Nesse aspecto, sua carreira de orientador alcançou um ápice no prêmio de teses e dissertações Dirce Cortes Riedel, instituído pela ABRALIC e agraciado a sua orientanda de mestrado Jucicleide Pereira Mendonça dos Santos, indígena wapixana.

A sensação de todos que conheceram Devair é de desolação, da sensação de que 48 anos foi muito pouco para tanta potência criativa, emotiva e intelectual. Ao mesmo tempo em que construía a sólida carreira que lhe valeria uma cobiçada Bolsa de Produtividade em Pesquisa do CNPq, Devair teve uma carreira de poeta, com quatro livros publicados, e de fotógrafo. O que ele vivia com os povos indígenas e com as populações pobres da fronteira não ficava como objeto de pesquisa — voltava como parte da poesia e da fotografia, também poética. Devair gostava de trabalhar com as mãos (“mãos de agricultor”, como ele me disse). Em sua ligação com a terra, desde a terra do Espírito Santo, da infância e adolescência, até a terra do lavrado e da serra roraimenses, em sua maturidade, penso encontrar uma das chaves de sua obra crítica, artística e poética.

Devair deixa quatro filhos e a esposa, a também poeta Sony Ferseck. De longe — escrevo em Brasília, cidade já basicamente em quarentena — sinto com tristeza a impossibilidade de abraçar a família e os amigos de Devair, que se reuniram no dia de hoje, vinte de março, para uma despedida na Universidade Federal de Roraima, em que trabalhou nos últimos anos. Sei que também é o caso de tantos outros amigos e parceiros que Devair conheceu em trabalhos e eventos pelo Brasil e pelo mundo, em diversos Congressos da ABRALIC em que sempre propunha um simpósio sobre a Amazônia ou sobre poéticas ameríndias. Todos nós estamos cercados e a maioria presos em casa, mas todos, de Brasília ao Rio de Janeiro a Manchester a Nantes, dentre outros tantos lugares em que sei que vivem amigos de Devair, nos reunimos num abraço de saudades.”

Pedro Mandagará

Universidade de Brasília

* Na foto, Devair Fiorotti e sua orientanda Jucicleide Pereira Mendonça dos Santos recebem do professor Roberto Acízelo o prêmio Dirce Cortês Riedel no último congresso da ABRALIC.

 

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