Quem é o xamã senão aquele que consegue ver? A afirmativa de Viveiros de Castro pode nos deslocar para a compreensão do pajé indígena enquanto sujeito que intercambia seu modo de perceber o mundo, sendo que existe apenas um, o humano. Nesse sentido, Viveiros de Castro explica duas categorias ontológicas do pensamento ameríndio, o humano e o não-humano. O primeiro é o ser que se coloca na posição de sujeito, e o segundo, a entidade cósmica posta em condição de objeto. Não obstante, entre essas duas categorias está o xamã, figura do entremeio que propicia a comunicação dos mundos disjuntos que povoam o cosmos (CARNEIRO DA CUNHA). Tendo em vista esse deslocamento de perspectivas, nos propomos discutir o lugar da performance do xamã nesse cenário comunicacional, tendo por base a obra “Quando a Terra deixou de falar”, de Cesarino, flertando, desse modo, com a etnopoesia no canto xamânico dos marubo. Nesse viés, os espíritos também compreendem a diferença dos códigos linguísticos e “traduzem seus cantos e falas para a yarã vana (“a nossa fala”), já que suas línguas são tão diversas quanto são os seus povos” (CESARINO). Na ausência de tradução impera a não-comunicação, o que leva Cesarino a afirmar que o xamanismo, para os marubo, é “uma teoria da tradução”. O xamã reaparece como um poeta, pois a ele é dado a função de criar (ou recriar), por meio da performance, um ambiente místico e ao mesmo tempo poético, pois o meio linguístico depende da canção e da evocação (ROTHENBERG). A performance, nos lembra Zumthor, além de ser uma realização poética na qual se coadunam gestos e sons, se insere em um contexto circunstancial de enunciação que remete o ouvinte a uma situação de escuta particular. Assim, é por meio da performance que o xamã agencia pontos de vistas.