Na obra de Clarice Lispector a palavra adquire um tom que vai além do relatar; ela permite uma configuração dos textos, segundo Antonio Candido (1988), não como construções verbais que imitam o mundo, mas como elaborações que trazem o mundo em seu bojo. Tal aspecto da escritura de Lispector desloca o olhar do narrado para o dito, por estarmos diante de uma escrita cuja aproximação ora tende ao ensaio, ora à filosofia. Destaca-se dentre seus críticos/leitores o professor Benedito Nunes como um dos mais importantes analistas de sua obra. Ele é o responsável por uma análise de base filosófica da produção clariciana, desde a publicação de O mundo de Clarice Lispector, em 1966, cujo estudo se tornou notório quando republicado em O dorso do tigre, de 1969, e produziu desdobramentos que culminaram em outras obras, como Leitura de Clarice Lispector (1979) e O drama da linguagem (1989). Com base nessas considerações, lança-se aqui a proposta de uma análise da recepção crítica do tema da palavra fundadora, com enfoque no conto “O ovo e a galinha” e no romance A paixão segundo GH. Nosso objetivo consiste em traçar um panorama da crítica produzida por Nunes à obra de Lispector, pontuando os conceitos fundamentais elencados pelo autor para análise da escritura das narrativas, sob o princípio de que a função da ficção “não está em oferecer respostas concretas, mas sim em servir de ponto de orientação da práxis vital e alheia” (STIERLE, 2001, p. 180).