A representação do sertão na literatura brasileira é marcada por construções antitéticas: ora ele é apresentado como lugar de homizio, ora como uma espécie de paraíso perdido. Figurando sempre como um espaço singular, exótico, o sertão pertencia geograficamente ao país, mas a ele não estava organicamente integrado. Iniciado no período colonial, através dos textos dos cronistas e dos viajantes que se aventuraram pelo interior do país, essa tradição prolonga-se no Brasil Império, com a Corte assumindo o olhar inventariante da antiga metrópole e chega até o limiar do período republicano. Entretanto, nos primeiros anos do século XX, principalmente após a publicação de Os sertões, de Euclides da Cunha, em 1902, essa região passa a ser paulatinamente considerada não pelo viés do estranho, do insólito, mas sim como desprovida das condições básicas de sobrevivência e cerne de uma “brasilidade”. A proposta dessa comunicação é perquirir como dois dos maiores escritores da literatura brasileira produzida em Goiás, Hugo de Carvalho Ramos (em Tropas e boiadas, de 1917) e Bernardo Élis (em Ermos e gerais, de 1944), rompem com a visão estereotipada do sertão e esteticamente representam a organicidade desse espaço e da sociedade goiana nele instalada, concomitantemente à denúncia das precárias condições de vida do sertanejo. Se o primeiro constrói uma linguagem literária que evidencia a transição artística existente no início do século XX para retratar uma região ainda integrada ao ciclo do gado, com patrões e vaqueiros em aparente harmonia, o segundo configura sua obra se valendo das conquistas estéticas do primeiro momento modernista de 1922 e revela as contradições do processo de modernização desse espaço, metonimicamente exemplada no maquinário nele inserido, reorganizando as estruturas sociais do sertão de Goiás.
Palavras-chave: Sertão e Modernidade. Hugo de Carvalho Ramos. Bernardo Élis.