Rousiêne da Silva Gonçalves (UFRN), Eduardo Aníbal Pellejero (UFRN)
Espera-se de uma biografia que o relato apresente pistas seguras sobre a vida. Uma realidade que se dobra em outra. Os fragmentos da existência, suas marcas nos lugares, em depoimentos de terceiros, nas entrevistas, em todos os espaços possíveis, constituem o material sobre o qual o autor tentará montar uma experiência real. Porém, escapam a uma coerência, negam-se e afirmam-se mutuamente, prestam-se uns aos outros ao falseamento e à confirmação. Rastro que se dispersa e ainda é rastro. Uma tentativa. Buscamos compreender de que maneira a biografia que se pretende constituir sobre uma poetisa viva apresenta-se, ao mesmo tempo, como uma impossibilidade. Refletiremos à luz dos escritos de Blanchot (2010, 1984; 2011) e Foucault (1990; 1964) sobre a experiência do fora que, embora distinta nos dois autores, relaciona-se com as experiências da pesquisadora na construção da biografia de Civone Medeiros, a partir de relatos espontâneos de amigos, leitores, artistas e demais pessoas que têm ou tiveram contato com a sua obra e sua vida, ainda, através de documentos, jornais, sites e revistas que apresentem informações e trabalhos da poetisa. Faz-se uma reflexão sobre a escrita biográfica enquanto errância, experiência imediata que, ao mesmo tempo em que revela um passado é ausência deste, que evidencia uma vida, mas não a afirma. Uma ação nômade num deserto que por si já está ausente, ao mesmo tempo, revela a fragmentação do biógrafo enquanto autoridade sobre a existência do biografado. O sujeito que escreve desaparece para dar lugar às infinitas vozes sobre a vida do outro, numa profusão de olhares que, ao chocarem-se e encontrarem-se mutuamente, refratam a existência da autora que se pretende biografar. A biografia enquanto narrativa não autoral, caleidoscópica e, por isso mesmo, não se presta à exclusão e nem à exaustão, mas à multiplicidade.