A tradução intersemiótica é antiga prática: buscar a transposição de uma ideia em meios diferentes, mantendo o espírito daquilo que se quer dizer, a despeito da variedade de linguagens pelas quais essa ideia deva transitar, constitui aspiração sempre renovada. Não foram poucos os teóricos e críticos de arte, aí incluída a literária, a se debruçarem sobre a questão, dentre eles, Walter Benjamin, no seu A Tarefa do Tradutor e Um trabalho que se proponha a estudar relações sistêmicas dessa natureza tem plena ciência do qual vão é tentar apreender um “tal qual”, dispondo-se realisticamente não à busca do literal, mas a uma investigação de elementos sígnicos utilizados em cada linguagem como referentes significativos, que sejam fiéis não ao “corpo”, mas à ideia que por eles desliza, multiforme, sem descaracterizar-se. Públio Ovídio Nasão (43 a.C-18 d.C), poeta latino, escreveu os versos do Metamorphoseon Libri, dedicando-os à transformação, considerado o poema mais importante da tradição greco-romana, objeto de inúmeras traduções e de inspiração para vários artistas. Da obra ovidiana, este estudo concentrar-se-á no Livro I-XVIII, mais exatamente no episódio que trata da paixão do deus Pã pela ninfa Syrinx, como ponto inicial de apreciação da cadeia semiótica que a partir daí se estabelece, via recriações dialogais entre obras de autores de diversas épocas e linguagens, servindo-se da figura do fauno como operador intersemiótico e buscando identificar que elementos sígnicos foram mobilizados pelos artistas em questão, para significar o fauno e seus atributos, ecoando o mito recolhido por Ovídio. Serão apreciadas as relações entre este poema narrativo e o modo como foi traduzido (ou transformado), constituindo algumas das contas do “colar” intersemiótico presentes no trabalho do pintor Boucher (1759), no poema de Mallarmé (1876), no prelúdio de Debussy (1894), na coreografia de Nijinsky (1912) e, mais adiante, no episódio do filme de animação de Bozzetto (1976).