Bernardo Carvalho já declarou que o anseio do público por histórias baseadas em fatos reais foi a motivação encontrada para escrever Nove noites, romance em que o autor autoficcionaliza-se, mesclando experiências autobiográficas com ficção, tornando indecidíveis seus limites. Exemplar do crescente nicho editorial das escritas de si, esse romance é importante para averiguarmos aspectos que se mostram presentes na prosa de ficção da literatura brasileira contemporânea. O retorno do autor em uma sociedade do espetáculo, imagética e midiática, problematiza questões outrora estanques, como os conceitos de realidade e ficção. Nove noites convida-nos à reflexão sobre a possibilidade de se narrar a si mesmo, ou melhor, de se transformar em objeto literário, de modo a não ser uma narrativa autobiográfica clássica, tampouco uma obra ficcional tout court. Realidade e ficção convivem no mesmo universo textual, fundando uma realidade outra, estetizada. A fotografia do autor na orelha do livro de mãos dadas com um índio no Xingu - tal qual ocorre com um dos narradores do romance, que também possui uma vivência entre indígenas - é um dos signos extratextuais que colaboram para a mitificação autoral. Textualmente, um dos narradores é jornalista e bisneto do Marechal Rondon, como também o é o autor. Para melhor compreender o romance e a autoficção no cenário contemporâneo, as reflexões de Nietzsche sobre o dionisíaco e o apolíneo são bem-vindas e pertinentes. A discussão sobre o narrador autoficcional caminhará no sentido de mostrar que é possível apontar semelhanças entre autor e narrador apolineamente, haja vista que Apolo é o deus do brilho, da aparência e da ilusão; por outro lado, dionisiacamente, é impossível ao leitor discernir o que de fato é verídico e o que se situa no universo ficcional, pois Dioniso é o deus do caos. Nesse cenário de incertezas, vale a pena revisitar a teoria da narração e problematizá-la, de modo a levantar hipóteses para as escritas de si atuais.