AMANDA CRISPIM FERREIRA, LUIZ CARLOS FERREIRA DE MELO MIGLIOZZI
O objetivo desta comunicação é apresentar considerações em torno da escritura afro-feminina brasileira no século XXI, por meio da análise de poemas de Cristiane Sobral, a partir de uma reflexão sobre as produções de mulheres negras do século XX, a fim de percebermos as relações existentes nessas escrituras. Apesar de surgida no século XIX, com a obra Úrsula (1859) de Maria Firmina dos Reis, acredita-se que essa escrita só ganha visibilidade a partir de 1960, com a publicação de Quarto de Despejo, de Carolina Maria de Jesus e fortalece-se nos anos de 1970, com o surgimento dos Cadernos Negros, publicação anual e coletiva de textos literários afro-brasileiros. Dentre as autoras dos Cadernos, encontramos Conceição Evaristo, que estreou na literatura na década de 1990 e, desde então, colaborou para a solidificação da literatura afro-feminina, uma voz que resulta de um não-lugar, pois apesar de ser produzida por mulheres negras, muitas vezes se depara com um movimento negro machista e um feminismo racista. Sendo assim, ela nasce de um desejo de resistência e de reivindicação. Resistência a uma representatividade negativa e estereotipada da mulher negra na literatura brasileira canônica e reivindicação de direitos, principalmente o direito de ter voz. Não é um texto que deseja ser “neutro”, no qual o autor procura se distanciar da criação, mas, pelo contrário, se posiciona: tem cor, sexo, vivências, memórias, lutas, que suas autoras fazem questão de explicitar. É perpassado pela escrevivência, ou seja, escrita da existência. O texto é fruto de suas experiências de vida. É resultado daquilo que viveu, viu ou ouviu. Acredita-se que a memória seja a “mola impulsionadora” da escrita de mulheres negras, tanto das precursoras quanto das contemporâneas, sendo assim, produzir literatura afro-feminina é falar do não dito, da reconstrução identitária, da revisão histórica e do resgate cultural por meio da memória. Enfim, é uma escrita que possui uma marca, que possui corpo. E, é justamente por isso, que ela se diferencia da escrita dos homens (brancos ou negros) e também das mulheres brancas. Conforme declarou em recente entrevista, via e-mail, a escritora Geni Guimarães (2012), “Nenhum homem negro menstruou sob sol e chuva e... chibata. Quanto às mulheres brancas, por mais que gritem a dor/cor/amor vividos por elas, nada sabem (somente o que ouviram de nós), não poderão ‘pegar’ o que fomos e somos.”. Nesse sentido, a literatura afro-feminina, além de denunciar a situação pela qual ainda estão submetidas as mulheres negras, revela quem são essas mulheres que estão em constante busca por seus direitos, desde aqueles considerados os mais básicos, como o direito ao pão, à moradia, ao trabalho e até aqueles considerados mais “complexos”, como o direito à fala, à maternidade, ao corpo, à sexualidade, ao estudo, à afro-brasilidade, à ancestralidade, à religiosidade, à memória, à poesia, à família e ao amor. Para concretizar nossa análise, observaremos a escrevivência de Cristiane Sobral comparada a alguns escritos de suas precursoras Carolina Maria de Jesus e Conceição Evaristo.
Palavras-chave: LITERATURA AFRO-FEMININA, ESCRITORAS PRECURSORAS, ESCRITORAS CONTEMPORÂNEAS