Os romances como ficcionalização do vivido. Aída Maria Jorge Ribeiro (UFF/IFF) A partir das leituras de duas obras de cunho autobiográfico da escritora antilhana Maryse Condé, La vie sans fards (2012) e Mets et merveilles (2015), busca-se observar de que modo - a partir de pistas oferecidas pela própria autora e conferidas por seu leitor - vida e obra apresentam uma intrincada relação, de onde decorre uma confusão deliberada entre o romanesco e os índices do real, um embate que a persegue desde seu primeiro livro. Tanto em La vie sans fards quanto em Mets et merveilles, Maryse Condé, além da biblioteca particular que oferece a seus leitores em uma multiplicidade de citações e referências, também tenta deixar pistas de leitura de muitas de suas obras, apresentando relações entre estas e os acontecimentos de sua vida. Nessas autobiografias, a todo o momento, indica ao leitor o recurso de ficcionalização do vivido (GASPARINI, 2014) utilizado em muitas de suas obras marcantes, ou seja, busca mostrar a realidade dos acontecimentos a partir de sua visão literária, de sua fabulação, de seu modo de ver e interpretar. Gasparini considera que algumas obras são lidas como autobiografia, e outras como romance; posicionando-se contra a possibilidade de leitura que siga, a um só tempo, as duas direções, como se diz, às vezes, em relação à autoficção. Para ele, não há um terceiro tipo de pacto de leitura, que não seja o autobiográfico ou o romanesco, como já postulara Lejeune. Pelas definições que Gasparini oferece, o texto de Condé seria “uma ficcionalização inconsciente (através de erros, esquecimentos, seleção, roteirização, deformações) comum a toda reconstituição narrativa.” (NORONHA, 2014, p.203) Algumas autobiografias deixam mais evidente o “pacto autobiográfico”, marcando de forma particular a interlocução. Aqui, podem-se perceber, a todo instante, referências do tipo “Como disse em...”, “Como eu conto na narrativa...”, “Por exemplo, quando eu escrevi...”, “Como eu contei em...”, “Eu descrevo em...” que fisgam e instigam o leitor a conferir tal pacto; “denominarei essa forma indireta de pacto autobiográfico pacto fantasmático.” (LEJEUNE, 2008, p.50) Condé revela em La vie sans fards e ainda persegue em Mets et merveilles o desafio de traçar um mapa de leitura de suas próprias obras e oferece muitos elementos que contribuiriam para uma colagem ao real, o que Roland Barthes chama de efeito de real (BARTHES, 2004, p.190) e não a realidade propriamente dita. Os trechos de La vie sans fards e de Mets et merveilles que fazem referências às obras da autora, se confrontados com as mesmas obras citadas, estimulam o leitor, cão de caça (LEJEUNE, 2008), a aceitar e comprovar cada vez mais o pacto de sinceridade feito com ela (inicialmente na obra de 2012, com clara continuação na obra de 2015) que recorre a eventos de sua vida, pessoas e lugares pelos quais passou e apresenta como esses eventos, lugares e pessoas serviram de inspiração à criação de personagens, cenas, capítulos ou até mesmo obras inteiras, mostrando que a vida é um elemento essencial à criação literária. Referências bibliográficas: BARTHES, Roland. “A morte do autor.” In: O Rumor da Língua. Tradução: Mário Laranjeira. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004. CONDÉ, Maryse. La vie sans fards. Paris: J.C. Lattès, 2012. ______________. Mets et merveilles. Paris: J.C. Lattès, 2015. LEJEUNE, Philippe. O pacto autobiográfico: de Rousseau à internet. Organização de Jovita Maria Gerheim Noronha. Tradução de Jovita Maria Gerheim Noronha e Maria Inês Coimbra Guedes. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2008. (Coleção Humanitas). GASPARINI, Philippe. In: NORONHA, Jovita Maria Gernheim (Org.). Ensaios sobre a autoficção. Tradução de Jovita Maria Gerheim Noronha e Maria Inês Coimbra Guedes. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2014, pp. 181-221.