ANA LUIZA MAIA GAMA FERNANDES, ALVARO JOÃO MAGALHÃES DE QUEIROZ
Quarenta Clics em Curitiba, publicado em 1976, é um raro, quase sem precedentes, fotolivro de literatura brasileira. Realizado colaborativamente por Paulo Leminski e Jack Pires, o exemplar é feito de quarenta fotografias de Pires, em preto e branco, “combinadas” a quarenta poemas de Leminski, dispostos em páginas soltas de idênticas dimensões (24cm x 24cm). Cada uma das fotografias aparece na página -- que, neste trabalho, chamamos de lâmina -- com um poema, cuja estrutura e proposta literária se identifica, estilística e historicamente, com o haicai, gênero poético de origem japonesa. A poesia haicai descende de um processo de adaptação cultural milenar -- é a soma da escrita importada da China (kanji, escrita chinesa ou ideogramas chineses) e assumida como própria pelo povo japonês, à língua japonesa, um misto bem sucedido que resultou numa vasta produção poética criativa. Trata-se de um poema de dezessete sílabas, com três versos; o primeiro e o terceiro com cinco sílabas, o do meio com sete sílabas. Leminski, principal representante da tradição japonesa em língua portuguesa, encontra no haicai a principal moldura estético-filosófica para suas criações, o investimento numa linguagem coloquial, enxuta, e uma constante preocupação com a captura do instante poético. Na obra do poeta, considerado um dos mais criativos e importantes escritores brasileiros da segunda metade do século XX, Quarenta Clics é seu único experimento intermidiático com “fotolivro de artista” e sua primeira publicação como haicaísta. Contudo, a obra não aparece em qualquer antologia dedicada ao gênero “fotolivro”, não é mencionada como projeto de livro de artista (artistic book) em publicações especializadas, e é negligenciada pela crítica e historiografia literárias. Pode-se supor que uma das razões para tal negligência deve-se à dificuldade metodológica em abordar um fenômeno que não se adequa facilmente a perspectivas ortodoxas de teoria e crítica, de um lado, e a análises visuais, de fotografia, de outro. Deve estar correta tal suposição. Uma vez que o fotolivro é um complexo semiótico de relações entre duas, ou mais, mídias, ou sistemas de signos, são os estudos sobre intermidialidade (intermedial studies) o domínio teórico e conceitual considerado mais adequado para sua abordagem. O objetivo deste trabalho consiste em apresentar Quarenta Clics em Curitiba como um fenômeno de intermidialidade, e como um importante caso de fotolivro de literatura brasileira. Conduzimos, paralelamente, uma apresentação histórica sumária de fotolivros de literatura no Brasil; em seguida, introduzimos os componentes-chave da obra de Leminski, e sua adequação ao Quarenta Clics. Terminamos dedicando alguns parágrafos à análise de certas lâminas, exemplos do “denso acoplamento” criado entre poesia verbal (haicai) e fotografia.
Palavras-chave: QUARENTA CLICS EM CURITIBA, PAULO LEMINSKI, INTERMIDIALIDADE, FOTOLIVRO DE LITERATURA