A comunicação pretende abordar a relação entre a cartografia e a imagem narrativa que se produz da Amazônia presente nas obras de dois viajantes do início do século XX: Euclides da Cunha (1866 - 1909) e Constant Tastevin (1880 - ?1963). Euclides vai para o Acre em 1905, como chefe da Comissão Brasileira de Reconhecimento do Alto Purus; ele deveria subir até as mais distantes cabeceiras do rio Purus e verificar até onde residiam os brasileiros, de modo a fundamentar o uti possidetis, direito reclamado pelos brasileiros para legitimar o pertencimento daquelas terras ao Brasil e não ao Peru ou à Bolívia. Tastevin permanece na prelazia de Tefé entre os anos de 1905 e 1926, fazendo sucessivas viagens para catequizar índios e seringueiros, documentando a ocupação populacional e a rede hidrográfica do alto e médio Juruá. Como funcionário do Ministério do Exterior, comandado pelo Barão do Rio Branco, Euclides da Cunha cumpre a contento sua missão, produzindo relatórios e mapas. O autor encontra muitas dificuldades para documentação dos rios — inicialmente, ele quer corrigir as falhas que identificou nos mapas de Chandless, porém, à medida que se dedica à composição do próprio mapa, percebe uma volubilidade inerente ao regime hidrográfico da região, pois os rios estão sempre numa incessante construção e destruição das próprias margens, o que dificulta o seu mapeamento. Tastevin viaja como missionário da Congregação do Espírito Santo e ao se deslocar pelos rios da bacia do Juruá, traça os pontos cartográficos que resultam na composição do “Mapa do alto Juruá”, produzido entre 1908 e 1925 e publicado em 1928, na revista La Géographie. Os mapas produzidos pelo padre “contêm também informações essenciais sobre as populações indígenas, sobre os seringueiros e patrões regionais. Os detalhados mapas de Tastevin, traçados com bússola nas múltiplas viagens de desobriga, ficaram, com justiça, famosos” (CARNEIRO DA CUNHA, “Tastevin, Parrisier - fontes sobre os índios e seringueiros do Alto Juruá”, 2009, p. XVI). Enquanto Euclides relaciona o movimento do rio ao trabalho de um artista incontentável, que recomeça sempre um quadro que não possui definição, Tastevin almeja um enquadramento, tentando captar todos os acidentes do terreno, para posteriormente esboçar o rio em seus traços gerais. Nenhum dos dois conseguirá escapar do fracasso e da destruição inerente ao trabalho, mas se o artista de Euclides parece nunca terminar o seu quadro, pois é um quadro de indefinição, o cartógrafo em Tastevin aponta para uma composição final. Os dois viajantes se depararam com uma floresta marcada pela própria dificuldade de vê-la, de mapeá-la. Se a paisagem, como nos diz Nancy, implica uma suspensão da presença, inclusive de quem a observa, os autores tentam ultrapassar a paisagem, escolher seus pontos de orientação, uma vez que não basta a “horizontalidade do deslocamento, mas exige-se, fundamentalmente, a verticalidade da abstração, uma cartografia, uma ficção” (ANTELO, “Mas, onde fica a viagem?”, 2012, p. 2). A comunicação propõe, então, comparar a produção cartográfica dos dois autores em relação com a tentativa de escritura da paisagem amazônica.
Palavras-chave: EUCLIDES DA CUNHA, CONSTANT TASTEVIN, ACRE, MAPA