CAMILA CHERNICHIARRO DE ABREU CORRÊA, ALEXANDRE SIMÕES PILATI
Diante das inúmeras pesquisas críticas da obra de Clarice Lispector, esse trabalho tem como intuito discutir a dimensão histórica internalizada organicamente em sua estética intimista e diagnosticar as motivações sociais para o surgimento de um foco narrativo entranhado entre o autoritarismo e a libertação, o eu e a sociedade. Tendo como base teórica e metodológica a crítica literária dialética marxista e a perspectiva formativa nacional, a arte literária é encarada como um reflexo específico do desenvolvimento do ser humano no meio social. Específico, pois é na dialética autonomia-heteronomia que o artista consegue traçar um mundo próprio capaz de abarcar, pela sua negação, as contradições da realidade, conforme aponta Adorno (2003). O crítico contemporâneo Frédric Jameson (1985) afirma que a arte é histórica, e por sua recusa ao social, ela “representa o último refúgio da subjetividade individual em relação às forças históricas que ameaçam esmagá-las”. Mesmo que Marx e Engels não tenham reunido formalmente uma teoria da literatura, é possível recuperar nos seus escritos um arcabouço consistente que dão base à análise literária. A tradição do materialismo estético está calcada no fundamento de seu método. O método dialético, com o qual esse projeto corrobora, é o centro da teoria literária marxista, cuja essência reside na unidade indestrutível entre o absoluto e o relativo, conforme discute Lukács (2011). As atividades humanas, entre as quais a literatura se encontra, não se realizam de forma estanque e linear, mas no movimento de contrários que se aproximam, formando um todo, uma unidade processual e dialética. No entanto, essa perspectiva é pouco retomada quando se refere a autores cuja obra a existência humana é posta à prova. Os livros de Clarice Lispector são muitas vezes encarados como uma vitória estética “sobre um território ingrato, e não expressão dele” conforme afirma Roberto Schwarz (2006) sobre a tradição crítica da obra de Machado de Assis. Lispector teria sido “um meteoro”, juntamente com Guimarães Rosa, retomando a expressão de Luís Bueno (2001), caído por acaso em terras coloniais, e não o fruto, a expressão transfigurada nessa terra. Essa comunicação pretende dialogar com os estudos atuais pós-modernos que tendem a negligenciar o aspecto local como mediação fundamental para se atingir a universalidade. Se contrapor a essa percepção crítica a-histórica e fetichizadora é um dos objetivos dessa pesquisa. A obra clariceana está inserida na tradição do sistema literário brasileiro e é a transfiguração moderna da matéria que nutriu seus escritos, a matéria brasileira, que por sua vez, está em conexão com a tradição ocidental. Uma leitura formativa e dialética da obra de Lispector se faz necessária, haja vista que uma tendência crítica reúne outra, segundo Lívia Chiappini (1996): a narrativa que se autoquestiona é atravessada por questões existenciais, que não escamoteiam a luta de classes, mas a incorporam. A partir da análise dos principais romances clariceanos, busca-se compreender a unidade de seu projeto narrativo como parte da experiência brasileira e reunir dialeticamente o dado local ao caráter universal de sua escrita.
Palavras-chave: LITERATURA E SOCIEDADE, ESTÉTICA INTIMISTA, CLARICE LISPECTOR