ANA LUCIA SILVA RESENDE DE ANDRADE REIS, IZABEL MARGATO
A presente comunicação aborda duas obras: a Odisseia de Homero, representativa da Antiguidade Clássica e A Odisseia moderna de Nikos Kazantzakis (1958), expoente da Literatura Moderna/Contempôranea. O ponto de interseção das duas obras tem início no canto XXII, verso 477, da Odisseia de Homero, quando Ulisses acabara de exterminar os pretendentes de Penélope. A continuação dos feitos do herói lendário, entretanto, reorienta o sentido do destino glorioso do herói clássico. Logo em seu primeiro encontro com a esposa, o filho e o pai, longe de sentir-se apaziguado pelo fim das atribulações do trajeto de retorno ao lar, o Ulisses kazantzakiano sente um profundo desencanto, e sua ilha tão desejada torna-se a seus olhos estreita e asfixiante, empreendendo então uma nova jornada. Na Odisseia homérica, a temática da obra gira em torno da volta (nóstos); já na Odisseia kazantzakiana, fica latente a clara tentativa de superação da meta de retorno à Itaca, o herói é movido pela vontade de continuar a jornada, quer manter-se em marcha. Nas duas histórias, Ulisses não fica imune aos episódios vividos; ao contrário, impregna-se das marcas dos lugares visitados, dos acontecimentos e das pessoas e seres mitológicos encontrados ao longo do caminho. Vale ressaltar que, no texto de Kazantzakis, os deuses não estão presentes, as agruras de Ulisses estão sedimentadas na esfera do humano, e são oriundas, dentre outros fatores, da caotização do cotidiano, a abalar sua noção de pertencimento e origem. Está claro, portanto, uma diferenciação fundamental entre os dois Ulisses: ao moderno não mais se aplica a alcunha de herói. A releitura (ou o retorno ao texto canônico) está condicionada a um novo sentido político e ideológico que se quer dar, de forma a atualizar o texto, situando-o na modernidade/contemporaneidade. Na sua errância, o Ulisses moderno personifica a metáfora do caminhante, i.e., sempre em marcha, tendo o horizonte como meta e a memória como alimento, insolitamente, as do Ulisses de Homero, como se estivesse permanentemente à sombra deste. Um dos personagens mais instigantes e complexos da mitologia e da literatura gregas, e também da universal, Ulisses fornece substância para reflexões modernas/contemporâneas, tais como a impermanência, o estranhamento e a errância – autoimposta, no caso de Kazantzakis. Dito isto, delineiam-se os objetivos do trabalho - a análise comparatista entre as odisseias de Homero e Kazantzakis, pelo viés do personagem Ulisses, mapeando as três questões supracitadas – e o escopo teórico selecionado para a sua realização – Edith Hall (The return of Ulisses a cultural history of Homer´s odyssey – 2008); W. B . Stanford (The Ulysses theme. a study in the adaptability of a traditional hero - 1954); Piero Boitani (A sombra de Ulisses - 2005); Maria José de Queiroz (Os males da ausência, ou a literatura do exílio e Jeanne Marie Gagnebin (Lembrar, escrever, esquecer – 2009).