Este trabalho parte do conceito de Boaventura de Souza (2004) no artigo Sociologia das ausências e sociologia das emergências, para elucidar o que chamo de literatura das ausências e das emergências. Assim sendo, para tecer este diálogo será utilizado quatro contos da escritora Miriam Alves e seu pseudônimo Zula Gibi – Abajur, New York, Noites Cariocas e Os olhos verdes de Esmeralda – para discutirmos sobre as identidades afro-lésbicas que são construídas nestas narrativas. De que forma as personagens estão marcadas pelos discursos hegemônicos da heterossexualidade compulsória, que as colocam como ausentes na sociedade patriarcal. Desde sua gênese, o corpo feminino nunca foi interpretado totalmente como de direito das mulheres, pois sempre foram os homens – médicos, educadores, sociólogos, dentre outros – os responsáveis pela legitimação de uma gama de discursos que pretendiam educá-lo. Como relata Jeffrey Weeks “(...) a intervenção da medicina, da psicologia, do trabalho social, das escolas e outras instâncias, todas procurando nos dizer quais as formas apropriadas para regular nossas atividades corporais”(2000, p.42). Segundo Adrienne Rich (1993) As lésbicas têm sido historicamente destituídas de sua existência política através de sua “inclusão” como versão feminina da homossexualidade masculina. Este procedimento de exclusão historiográfica é uma maneira de manter a heterossexualidade compulsória para as mulheres, já que as mesmas estão condicionadas a alegria, a sensualidade, a comunidade, bem como a culpa, a autonegação e a dor. Ao tratar da mulher negra e lésbica, afirma Sheu Nascimento (2014), às lésbicas negras são negadas o direito de existir porque o racismo atrelado à lesbofobia trabalhou e continua trabalhando para moldar relações e estruturas sociais. . Em contrapartida, a escrita de Miriam Alves e Zula Gibi se constrói pelo viés do contra-discurso a esta negação histórica, da ausência da sexualidade lésbica, abrindo espaço para discussão entorno das problematizações que tange o universo ficcional e cultural lésbico. Dessa forma, esta literatura rompe com o silenciamento das sexualidades reprimidas, outros modos de relacionamento são construídos, desconstruindo os padrões institucionalizados por instâncias de poder. Partindo destes pressupostos, trago um plano de análise metodológica, tendo como ponto de partida a experiência do sujeito lésbico, das personagens, nas prosas de Miriam Alves e Zula Gibi, discutindo os seguintes pontos: como a afro-lésbica ocupa outro lugar de fala ao fugir dos modelos ditos femininos (casar, ser mãe) e não reproduzir os moldes da família patriarcal? Como essas histórias são construídas e de que maneira subverte os paradigmas sociais contemporâneos? Por que as identidades lésbicas são tratadas como segredo nos enredos, questionando e resistindo ao status quo socialmente padronizado? Para Lúcia Facco, as narrativas, do amor entre mulheres, não dão espaço à camuflagem, muito pelo contrário “(...) Busca-se deixar bem claro um modelo de identificação, busca-se dar voz ao que antes era dito somente por um silêncio imposto. Busca-se a visibilidade, a obviedade. As lésbicas não querem mais sussurros, elas querem mesmo é gritar” (FACCO, 2004, p.89).