Criado em 1986, pelo cineasta Vincent Carelli, o projeto Vídeo nas Aldeias, que realiza oficinas de formação audiovisual em diferentes comunidades indígenas, evidencia problemáticas caras à teoria da arte contemporânea, como o esboroamento da autoria, a ética da alteridade implicada no processo de captura da imagem do outro, a produção da auto-imagem, a construção do real, a fabulação de si, a invenção de um povo. A arte cinematográfica é utilizada pelos indígenas como instrumento de performatividade, mas também de rememoração e reinvenção do cotidiano a partir do passado. Os cineastas utilizam a tecnologia branca para contar sua própria história, resgatar sua tradição, refletir sobre a captura de sua imagem, rememorar suas lutas e ganhar visibilidade. De forma que o cinema assume aquela que, segundo Deleuze, seria a tarefa da arte: "não dirigir-se a um povo suposto, já presente, mas contribuir para a invenção de um povo" (DELEUZE, 1990, p. 259). O acontecimento fílmico assume, assim, um gesto político, capaz de provocar um pensamento sobre nós enquanto outros, mas também de liberar o murmúrio dos vencidos sob a história, capaz de, como afirma Rancière, "reconstruir o âmbito de nossas percepções e o dinamismo de nossos afetos", de abrir "passagens possíveis para novas formas de subjetivação política" (RANCIÉRE, 2014, p. 81) que redefinem o que é visível, o que se pode dizer deste visível e que sujeitos são capazes de fazê-lo. Um gesto capaz de reconfigurar a experiência comum do sensível, de reembaralhar as fronteiras entre sujeito e objeto, visíveis e invisíveis, dizíveis e indizíveis, ficção e realidade, mesmidade e alteridade. A arte não como fixação do eu, mas como ficção do eu (ficcionalização do eu-cineasta ou do eu-espectador), fricção do eu com muitas outras coisas que o contagiam, afetação infinita e múltipla.
Palavras-chave: VÍDEO NAS ALDEIAS, DOCUMENTÁRIO, FABULAÇÃO, FICCIONALIZAÇÃO DO EU