A arte como possibilidade de experiência impermanente se impõe cada vez mais. São poéticas instáveis, que se dão em deslocamento, muitas vezes, nos limites entre formas expressivas, entre linguagens. Poéticas em deslocamento não só no espaço, como também no tempo. Formas de habitar o tempo e o mundo. O fato do corpo, imagens e sons, como escritura, produzir narrativas; ou a escrita se impor como imagem; ou a fala ser transcrita como partitura; ou ainda, o próprio som se tornar objeto visível, abre questões sobre a maneira como estes deslocamentos provocam sentidos ao mesmo tempo em que se impõe como presença estranha real. John Dewey, importante crítico de arte do século XX que influenciou toda a neovanguarda americana, em Arte como experiência, fala da experiência estética comum e da importância de uma arte não apartada do cotidiano, já que é na experiência que ela realiza seus significados, no encontro. A arte, no regime estético proposto por Rancière, seguindo as vanguardas históricas do século XX, mistura-se aos movimentos da vida cotidiana, é dela que se faz e nela que atua. Qualquer coisa, feita por qualquer um, para quaisquer outros. Arte pode ser qualquer coisa, mas se qualquer coisa é arte, nada é arte. E arte é, evidentemente, alguma coisa. Alguma coisa que se distingue, ainda que essa distinção seja circunstancial e temporária. Algumas formas de arte contemporaneamente agem no sentido da invenção de formas sensíveis e dos limites materiais de uma vida por vir. É na quebra entre signo e objeto, na democratização de vozes e meios, na autonomia de sua heterogeneidade que muitas ficções se inscrevem. Autores brasileiros contemporâneos, como Luis Ruffato, Haroldo de Campos e Valêncio Xavier trabalham a escrita de forma fragmentada, permeada por outras linguagens, onde fatos e fabulações se entrelaçam, de forma que o sentido também se faz pela copresença e pela incompletude. Trabalham a escrita além da letra, a escrita é imagem e é som. A fragmentação atualiza o caos de informações atravessadas que nos alcançam em movimento. Informações incompletas, ruidosas, suplementares. A impossibilidade de ordem configura-a como réplica do mundo e essa impossibilidade, ou atividade caótica, produz pensamento. Um pensamento imediato, apreensão e exercício de presença, que age produzindo percepções potentes da realidade, capazes de voltar a ela ativamente. Dessa forma, a sincronicidade inventa os futuros, já presentes. A indistinção desses escritas, constitutivamente inacabadas, em processo, confunde experiências, a escrita é abrigo que se expande na realização do que chamamos aqui de ficção. Ela busca o processo, o movimento fluido, sem hierarquias e sem autoridades. E uma tentativa de desarticular objetos estáveis, produzir experiências singulares, politicamente ativas. Nós, inventores e fruidores, simultaneamente indistintos, colocando em processo as poéticas que agem no complexo real.
Palavras-chave: ARTE, POÉTICA, PERFORMANCE, ESCRITA