Dentre os viajantes franceses que escreveram sobre o Brasil no século XIX, encontra-se o polêmico Charles Expilly, cuja obra angariou a antipatia de inúmeros brasileiros. Estudiosos, escritores e figuras públicas o acusaram de difamar o Brasil que o acolheu, atribuindo sua ingratidão a um espírito de vingança pelo insucesso de seus empreendimentos no país. Se seus investimentos como fabricante de fósforos não lhe renderam a fortuna desejada, a empresa lhe permitiu enriquecer as notas que abririam caminho para o escritor. Quase uma década após sua chegada ao Novo Mundo, Expilly lançaria na França seu primeiro relato, narrando sua experiência na corte. O sucesso de seu primeiro livro, Le Brésil tel qu’il est, permitiu que, no ano seguinte, fosse publicado seu segundo relato, Les femmes et les moeurs du Brésil, no qual o autor aborda suas impressões sobre o interior e o sertão brasileiro. Nos dois relatos, Expilly interpreta a sociedade patriarcal brasileira, a partir de sua experiência pessoal, dedicando especial interesse à vida privada dos brasileiros. Além destes dois relatos, o autor publicou ainda, na imprensa francesa, alguns estudos sobre a situação econômica e política do Império. A escravidão, a situação da mulher, as condições de vida na cidade e no campo, a corrupção e a moralidade pública são alguns dos temas por ele abordados. Como filho da Revolução Francesa, traz em si, segundo ele mesmo, “os princípios de liberdade e civilização”, opondo-se firmemente à instituição escravagista de um país que o autor vê como de “opressão, superstição e barbárie”. Expilly foi um dos raros viajante a atribuir ao regime escravocrata “o papel apagado, humilhante, vergonhoso que se impõe aos homens de cor no Império sul-americano”, condenando o sistema que desumanizava os negros como responsável pela sua degradação moral e seus vícios. Paradoxalmente, em suas análises das diferentes etnias que encontrou no Brasil, esse defensor da liberdade e da igualdade não omite ser herdeiro da tradição classificatória dos franceses. Charles Expilly se encontra em meio a um contexto complexo, que reúne ideias divergentes e contrastantes a respeito dos povos do Novo Mundo. As narrativas de viagem que circularam na Europa ao longo de três séculos tiveram um papel fundamental na construção da imagem do Brasil. Esses relatos construíram no imaginário europeu o contraditório conceito de paraíso e lugar inferior, moldando o olhar que muitos estrangeiros nos dirigem até hoje. Também incutiram e perpetuaram, de forma duradoura, as percepções das metrópoles europeias na forma como os próprios sul-americanos se veem. O estudo das narrativas de Expilly, assim como a apreciação de sua recepção no Brasil, tem muito a nos dizer sobre o acolhimento das ideias europeias por parte da ex-colônia, empenhada em um projeto de construção da identidade nacional, digerindo-as, processando-as e reformulando-as, assim como nos aponta a forma como os europeus foram também transformados por esse encontro.
Palavras-chave: CHARLES EXPILLY, RELATOS DE VIAGEM, SÉCULO XIX