Dramaturgos do moderno teatro de língua portuguesa revitalizaram mitos para representar momentos angustiantes em seus países, aspecto que também colaborou à conquista da unidade no enredo da ação, atingindo o impacto estético desejado. Nessa direção, algumas produções (re) significaram o mito em discussões socioculturais e políticas, revendo conceitos e atribuindo fôlego às novas formas de pensamento. Entre as exemplaridades, pode-se apontar Os degraus (1964), Gota d’água (1975) e A Berlinização ou Partilha de África (1985), textos nos quais se identifica a denúncia social frente a situações calamitosas que forjaram lugares indevidos na história oficial. No lastro do mito de Prometeu, Os degraus é uma peça que constrói uma interpretação da sociedade portuguesa de 1960, momento de intensa censura e opressão social, pois as personagens estão movidas pelo sentimento de repulsa ao Capitalismo e desejo pela propagação do Socialismo. Gota d’água expõe a representação de uma típica tragédia brasileira, em que a personagem protagonista comete o infanticídio e se suicida por envenenamento, em uma alusão ao mito de Medéia, inserida em uma comunidade explorada pelo sistema. A Berlinização ou Partilha de África ficcionaliza a Conferência de Berlim, congresso que reconfigurou geograficamente o Continente Africano em fins do Século XIX, culminando na conclusão de que o mito de Tarzan representava a superioridade do branco sobre o negro, da Europa sobre as demais nações. Os degraus, Gota d’água e A Berlinização partilham concepções que se aproximam, pois o Capitalismo é tomado como atentado social, cujo combate poderia custar a própria vida. Desse modo, as personagens denunciam uma das faces sociais que ganhou relevo no Século XX: a instalação desse Capitalismo que se manifestou como uma experiência radical, violenta, predatória e impiedosamente seletiva. Foi um período histórico em que se viu claramente a acumulação de capital, mediante a drenagem de renda da classe subalterna, em que o rico adquiria mais poder de renda e o pobre chegava ao estado de calamidade, em um fluxo que seguia a transferência de renda de baixo para cima. Essas tragédias modernas atribuíram novos significados aos mitos, diante da construção histórica de dias atuais que marcaram a história dos povos africanos, de Portugal e do Brasil. Em Portugal, a década de 1960 foi considerada os anos de chumbo, uma vez que a sociedade sentia os impactos do governo salazarista, que calou a voz do país e suas colônias. No Brasil, os anos de 1970 sofreram as consequências do Ato Institucional nº 5, que instaurou a Censura como instituição e selou o caminho de uma sociedade que viveu às sombras do silêncio. Em África, na década de 1980, os países de língua oficial portuguesa (e não só) colhiam os frutos das independências, conquistadas em meados da década anterior, quando a busca pela identidade debatia-se nos processos de descolonização. As peças teatrais de Sobral, Buarque e Bonfim revitalizam mitos em espaços políticos distintos, permitindo o estudo de temáticas entre as literaturas portuguesa, brasileira e são-tomense, bem como a análise de fronteiras culturais entre o teatro grego e o de língua portuguesa.
Palavras-chave: Augusto sobral e Os degraus; Chico Buarque e Gota d’água; Aíto Bonfim e A Berlinização ou Partilha de África; Mito e História