Darcy Ribeiro experimentou, ao todo, 12 (doze) anos de exílio, após o Golpe militar em 1964 no Brasil, entre tentativas de retorno ao Brasil e novos expurgos. Proponho a invenção de um texto capaz de ligar fragmentos esparsos de seus relatos e confissões, como se Darcy tivesse escrito de uma só vez aquilo que é, de um lado, registros de viagens e o que veio a ser reelaborado, depois, a partir de suas memórias. Retomo o tema do intelectual exilado sob a inspiração de Theodor Adorno e de Edward Said a fim de concluir sobre o significado dos trânsitos na experiência “prejudicada” do exílio e da constatação da escrita como “morada”. Said (2003) observou que os exilados são sempre excêntricos e reconhecem sua diferença (ao mesmo tempo em que, com frequência, a exploram) como um tipo de orfandade. Obstinação, exagero, tintas carregadas são algumas características e métodos – eficazes ou não - para fazer o mundo aceitá-los. Os intelectuais no exílio tornam-se ainda mais teimosos, enunciando isto em suas obras. Adorno, por sua vez, fonte para Said, em "Mínima Moralia", sua autobiografia escrita entre 1944 e 1947, no exílio dos Estados Unidos, formulou uma teoria do exílio moderno, atento à figura do “intelectual em trânsito” que expressa a movimentação da própria contemporaneidade. Com grave ironia, Adorno postulou que faz parte da moralidade moderna “não se sentir em casa na própria casa”. Ao experimentar a condição dilacerante de viver em terra estrangeira, considerando as dificuldades a que se expõe aquele que perde a casa, vivendo num ambiente que lhe permanecerá incompreensível, o intelectual exilado estará sempre desorientado. Contudo, seu “olhar deslocado” é o imperativo moral para que se proceda a constatação de que “todas as avaliações são falsas” (Adorno 2008, p.27) e se possa conquistar um outro ponto de vista capaz de ver o que comumente não se vê, expandindo, assim, seu escopo de visão, que lhe permite verdadeiramente, o exercício de seu ofício: o pensamento crítico. Nesta senda, revelo o cientista social e homem público Darcy Ribeiro, em sua abertura à “alteridade”, capaz de perceber o outro como “semelhante”, e, a partir daí, reconstruir a ideia da “Pátria Grande” a incluir o Brasil na utopia latino-americana. Defendo a hipótese de que uma especial “estrutura de sentimentos” (Raymond Williams, 1961) fez emergir nas décadas de exílio nos anos 1960-70, fruto dos governos autoritários na América Latina, uma rede de intelectuais a forjar um pensamento anti-hegemônico que nunca mais se repetiu, dotado de uma originalidade em sua perseguição da legítima pretensão do continente se apresentar como lócus de enunciação a contestar a narrativa eurocêntrica, até então tida como única na compreensão da chamada “diferença colonial”. Nesta perspectiva, revisito, enfim, a escrita de Darcy Ribeiro num pretenso diálogo com a contemporânea crítica pós-colonial.
Palavras-chave: DARCY RIBEIRO, INTELECTUAIS, EXÍLIO, ESCRITAS EM TRÂNSITO